A miséria dos bilionários
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1. Aos bilionários tecnoimperadores — meia dúzia de homens caucasianos do norte global —, um recado terráqueo; a vocês poucos que, imbuídos do inabalável desejo de superar a biologia, investem, psíquica e materialmente, em poderosas tecnologias, como inteligência artificial, biotecnologia, engenharia genética, nanorobôs, supercomputadores etc., e que pretendem, num amanhã, tornar o ser humano imortal, um recado de um terráqueo, mero mortal: cada ser é destinado ao nascimento, ao envelhecimento, à doença e à morte. Tudo que vive um dia nasceu, vai envelhecer, adoecer e morrer. E que nós e todos os outros seres compartilhamos, inexoravelmente, a mesma senda de nascimento, velhice, doença e morte. Qualquer plano de superar este ciclo por meios materiais e técnicos está fadado ao fracasso. Não exatamente porque alguma lei natural nos impeça. Mas porque vocês, bilionários tecnoimperadores, têm vasto conhecimento em inteligências, naturais e artificiais. No entanto, a consciência, tanto para vocês quanto para nós, ainda nos segreda muitas coisas — o que é a consciência, afinal? E, convenhamos, sobre a vida em si, sobre o que é viver, vocês demonstram saber muito pouco. Do contrário, se aquietariam, em seus próprios territórios e, principalmente, em suas próprias consciências. Aceitariam o que é como é — mas o que é o que é como é? Vocês refletem sobre isso? Ou tudo, nesta vida, é passível de alteração, a fim de que sirva a nossos (aos seus) desejos? Desesperados atrás de uma fórmula científica para superar a morte, vocês, bilionários tecnoimperadores, não percebem que, talvez, quem vive a vida que vale a pena é quem aceita o destino do envelhecimento, da doença e da morte.
2. O que faz um bilionário senão sugar os bens da Terra, sequestrar o futuro, explorar massas trabalhadoras, agravar desigualdades, posar de bom moço, venerar a própria imagem, produzir cobiça coletiva em torno de si mesmo? O que sente um bilionário senão fome insaciável e terror pela própria morte?
3. Um homem comum sabe morrer. Um inseto, mesmo que lute até o último espasmo, sabe morrer. O bilionário, que investe todos os seus recursos contra a finitude, regressa ao estágio primeiro da ignorância: recusa-se a aceitar que a própria imagem também está fadada a fenecer.
4. Repulsivo ao passado, fanático pelo futuro, o bilionário do século 21, tecnoimperador, colonizador do espaço, vive o aberrante descompasso com o devir. Para ele, todo passado é ignorância e limitação, todo ontem é estágio primitivo; e o presente é apenas instrumento para agilizar as glórias do amanhã, o pretenso éden tecnocientífico. Perturbado até os ossos, seu imaginário, insaciável, cabe apenas sua megalomania, que se prolifera na velocidade das máquinas e resvala os confins da galáxia. Gigantista inveterado, seu maior inimigo, aquilo que mais o aterroriza, é toda existência de natureza frugal: o pequeno, a simplicidade, a moderação, a humildade, são princípios que devem ser aniquilados.
5. Ninguém, nem o mais flagelado dos seres, é tão açoitado pelo real quanto o bilionário. Mas seu mal-estar contra a existência, ao invés de lhe forçar o ato negativo — a renúncia ou o suicídio —, torna-se, estranhamente, ressentimento ativo: ele precisa se vingar do real.
6. Sidarta Ribeiro, um dos principais cientistas e pensadores da atualidade, propõe a ousada e otimista ideia de que os bilionários — que, segundo ele, estão psiquicamente doentes, adictos por poder e dinheiro —, precisam alterar seus estados de consciência através do uso controlado de psicodélicos. Assim, quem sabe, sofreriam uma rápida e significativa mudança na percepção e no comportamento, tornando-se mais compassivos, humildes, generosos etc. A despeito da sua boa intenção, não posso confiar na ideia de Sidarta. Temo que, após a volta das viagens lisérgicas, os bilionários reajam sob efeito contrário ao esperado: afundados ainda mais em suas egotrips, suas consciências se expandam, sim, mas para manter o giro, frenético o doentio, apenas ao redor dos próprios umbigos.
7. Até certo ponto, o luxo, mais que extravagância, é abominação. Abominação que ilude, atrai. Uma extrapolação do medo da insignificância e da finitude; um uivo ardido, agônico, de querer se diferenciar de tudo que vive, de sobrepujar tudo que é, através do louvor à fartura, do dispêndio aniquilante. Gula de toda matéria, inferno íntimo que se manifesta como pompa, conforto, exclusividade, qualquer luxo ostensivo desequilibra a corrente da vida: deseja, em tom mórbido, se desgarrar do império da unidade simples.
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Felipe Moreno