Viver é perigoso.
Saudações, amizades!
Para quem leu a primeira newsletter e espera ansiosamente pela próxima, aqui está! Para quem não pode ler a primeira, tudo bem, leia essa e eu te garanto absolvição diante de deus (com d minúsculo porque não posso me comprometer a apenas um absoluto, porque vai que existem mais, e aí eu tô ofendendo os caras e tirando de vocês a chance da ascensão… por outro lado, vai que não existe, fica em aberto).
Devaneios sobre entidades cósmicas à parte, eu abri o site para escrever sobre estar emocionalmente desequilibrada.
Há mais ou menos um mês eu percebi que estou em uma crise depressiva. Demorou um pouco para cair a ficha, porque geralmente a minha depressão é bastante debilitante. Como eu estava funcional, apesar de mais sensível, considerei que era TPM ou algo do tipo! Imagine minha surpresa quando passou a menstruação, veio a próxima e eu ainda estava sentindo chorosa e funcionando apenas no modo tarefas básicas… Falei disso na terapia, concluímos que eu realmente estava (acho que ainda estou) deprimida; mais que isso, concluímos que eu precisava ativar minha rede de apoio primária, minha família.
Vou dar um salto no tópico, mas ele faz a volta, vamos comigo?
Eu cresci em circunstâncias bastante instáveis e, muitas vezes, mesmo sendo apenas uma criança, eu precisava abrir mão dos meus sentimentos para proteger minha mãe e meu irmão. Proteger minha mãe porque ela já tinha tantas coisas com as quais se preocupar, eu não queria ser mais uma. Proteger meu irmão porque ele era mais novo e ainda tinha chance de esquecer muitas das coisas que aconteceram. Aí é isso, né? Apesar de consciente desse meu modo de lidar com a vida, de achar que outros problemas são mais importantes que os meus (e talvez sejam, mas isso não significa que os meus são menos importantes, porque não é nem comparável), é muito difícil ser sincera com a minha mãe e admitir que preciso de ajuda dela. E aí voltamos para o ponto onde começamos: eu e Ana Claudia (minha terapeuta, uma querida) concluímos que eu precisava chamar minha mãe e também minha tia que mora em Campinas.
Chamar minha mãe, admitir que estou adoecida, explicar mais ou menos quais são as causas do meu sofrimento, é uma parte difícil. Embora eu saiba que ela não pensa em mim e na minha vida em termos de fracasso ou vitória, eu preciso brigar muito com as vozes da minha cabeça para que esses pensamentos não me engulam, me mastiguem e me cuspam como um amalgamado de todos os eufemismos que eu já usei para dizer que eu precisava de ajuda sem necessariamente me comprometer ou fazer as pessoas se comprometerem com a ideia de que eu preciso de ajuda, porque é mais fácil eu apaziguar minha mãe e minhas tias e fingir que tá tudo certo, se eu usar palavras dúbias e escrever sobre minhas emoções com parcimônia, como se estivesse criando um relatório de iniciação científica, cujas fontes são realmente as vozes da minha cabeça. Enfim, tudo isso para dizer que é difícil, mas consegui falar para minha mãe usando as palavras corretas: estou deprimida, preciso de ajuda. Também falei para a Tia Nice (a tia que mora em Campinas).
No fim de semana seguinte à minha confissão, minha tia apareceu na minha casa com todos os utensílios de limpeza possíveis, limpou meu quarto da depressão (estava precário), lavou minhas louças esquecidas, limpou meus livros e, nesse gesto, conseguiu acender um farol guia em meio à neblina mental que eu estava vivendo. Ela até levou minhas roupas para lavar. Eu senti um misto de gratidão profunda e vergonha. Vergonha porque a imagem que eu tenho de ser adulta é ser independente e fazer todas as coisas por mim. Na semana seguinte, minha mãe me visitou em Campinas, que é algo que eu sempre peço, mas nunca de maneira definitiva, pelos motivos listados em algum lugar acima. Eu chorei no colo dela, sem nenhum motivo específico senão o acúmulo de emoções guardadas no fundo do meu coração sob a pretensão de “ser forte” e “aguentar firme”. Ser forte também significa admitir que precisa de ajuda e, mais que isso, permitir que as pessoas te ajudem da forma que você realmente precisa. Minha mãe fez uma grande faxina no meu quarto, de colocar minha cama em pé na parede e tirar todas as minhas tralhas do lugar para limpar! Fez comida para a semana. Pela primeira vez em muito tempo, eu realmente descansei no fim de semana. Descanso mental e físico. Pensar nessa sensação traz lágrimas aos meus olhos, porque é terrível pensar que todos nós estamos correndo e correndo e correndo, sem ter direito a uma pausa. Correndo para dar conta das demandas do trabalho, correndo para cuidar da casa, fazer comida, cuidar dos pets. Até os afetos acontecem na correria. A vida não para mesmo quando você precisa tão desesperadamente descansar. E é isso, nós também somos condicionados a pensar que, não importa o que seja, temos que resolver nós mesmos os problemas, os sentimentos, os obstáculos em meio à correria. Mas é isso, o descanso é nosso por direito e ele acontecesse como precisa acontecer. No meu caso, foi um fim de semana que a minha mãe fez por mim as coisas que eu estava cansada demais para fazer. E eu sei que para ela não foi um peso, não foi mais uma tarefa, mas um prazer. Ver o alívio no meu rosto depois de chorar o equivalente a cinco piscinas olímpicas e falar todas as coisas que eu não digo em voz alta, usando as palavras que transbordam os limites auto impostos.
Essa é uma parte boa de pedir ajuda, mas também tem uma área cinza, que não é necessariamente boa ou ruim, só é esquisita. A contraparte é que agora todo mundo sabe que você não está bem e, ainda assim, todo mundo quer saber como você está em suas próprias palavras. Além de precisar explicar coisas que não são tão explicáveis no domínio da língua, eu também tenho que responder perguntas que eu entendo, mas ao mesmo tempo me deixam confusa. Uma das coisas que todo mundo, sem falha, me pergunta é: você está tomando os remédios e fazendo acompanhamento? O tom dessa pergunta me causa arrepios, porque parece que eu estou em frente a um painel de juízes e eu preciso tomar meus remédios e mostrar minha boca para garantir que eu não trapaceei. Ou parece que meu psiquiatra é uma invenção da minha imaginação e as receitas e remédios eram, o tempo todo, papéis rabiscados e tic tacs colocados em recipientes diferentes. Eu sei que não é essa a intenção das pessoas, mas é como parece. Comunicação é também cooperação, porque no fim das contas a gente nunca realmente sabe quais são as intenções das pessoas ao comunicar, fazemos inferências e torcemos pelo melhor (qualquer dia posso falar mais sobre isso, é um tópico bem interessante!). Então, com essas perguntas, eu tento ser a pessoa mais cooperativa e só assumir as melhores intenções. Vez ou outra, eu preciso provar que estou falando a verdade sobre remédios e tratamento, mas na maioria das vezes basta explicar que tratamento e recuperação não são fáceis e nem lineares. É realmente como uma montanha russa, mas eu não posso apertar o botão de pânico, descer dessa montanha russa, e ir brincar em algum brinquedo seguro e previsível. É um ticket só de ida nessa. O que eu faço é tornar as voltas confortáveis… às vezes eu passo tanto tempo indo devagar e sempre, que fico até entediada. E às vezes passo tanto tempo subindo, que há um silêncio agourento na minha cabeça, em antecipação à queda. E quando a queda chega eu não sei bem quando vai parar, nem se o que vem depois é uma subida ou uma reta ou uma curva esquisita… Imagine explicar isso muitas vezes para pessoas diferentes. É cansativo. Mas ao mesmo tempo, no espírito da sinceridade, eu sempre tento criar uma ponte entre a realidade sensível e o abismo de desespero que só existe dentro da minha cabeça. Acho que é por isso que eu gosto tanto de palavras e da linguagem. É interessante tornar tangível algo que é uma parte invisível de você. E ao mesmo tempo é interessante lidar com as barreiras que nem a linguagem consegue atravessar. O lado bom é que, mesmo nos momentos em que não existe como representar o que se passa na cabeça, ainda existe aceitação, acolhimento. Nesses momentos penso em vocês, minhas queridas amizades. Eu sei que nem sempre vocês entendem de fato o que está acontecendo, mas estão sempre abertos a tentar compreender e, quando é impossível entender, vocês ainda assim aceitam e acolhem. Porque no fim é isso, o sentimento, a emoção, todas as coisas químicas que acontecem em nossos cérebros, são reais e nos afetam, e isso basta para que seja algo importante. Eu me sinto feliz porque há coisas que eu não consigo dizer e não sinto que preciso, porque de qualquer maneira terei apoio e acolhimento.
Espero que vocês saibam que podem contar comigo assim também, ok? Eu me importo com vocês e, mesmo que vocês não encontrem palavras, mesmo quando não tiver nada que eu possa dizer para ajudar, nós podemos sentar em silêncio, em um abraço, ou lado a lado no gramado, observando o movimento do reflexo da água nas árvores.
Com essa, termino essa longuíssima mensagem! Para quem chegou até aqui, obrigada <3 para quem não chegou, eu entendo, eu não sei se as coisas que falei fazem sentido, mas sentido também é um conceito aberto e pode ser diferente entre nós, então não me apego muito a essa ideia. Um abraço e um beijo na boce…… na bochecha!!!
Com carinho,
Jaci.