A bruxa má do Oeste é gay e outras histórias
Saudações, amizades! Como estão?
Em vista dos últimos tópicos, deveras melancólicos, essa newsletter será um pouco menos séria, espero que se divirtam lendo tanto quanto me diverti pensando sobre e escrevendo. Dito isso:
AVISO CRINGE: Este texto pode conter tópicos abertamente sexuais ou conotação sexual. Insira aqui a imagem [parental advisory].
Em vista da iminente estreia do filme baseado no musical Wicked, lembrei-me de uma experiência conectada ao musical. Em 2023, eu e minhas grandes amigas, Amanda, Catherine e Nati, fomos assistir ao musical Wicked, que estava em sua segunda temporada em São Paulo, no Teatro Santander. Foi um dia muito especial, que começou no shopping Dom Pedro, onde almoçamos e compramos snacks para a viagem, alugamos um carro com cupom de desconto da Evo e pegamos a estrada rumo à São Paulo. Era uma quinta-feira de maio, um feriado prolongado. Era a primeira vez que eu assistiria a um musical e fiquei muito feliz que esse tenha sido o escolhido, porque é incrível! Fizemos um vlog desse dia, porque era realmente memorável e queríamos ter uma forma de reviver esse dia e esse foi um ótimo jeito de registrar. Se você segue a Amanda no Insta, conseguirá ver o nosso vlog no perfil dela.
Você deve estar se perguntando, o que essa história tem a ver com ser gay? Eu explico: durante o fim do primeiro ato há um intervalo e, nesse intervalo, levantei-me para ir ao banheiro, como a maioria das pessoas naquele teatro. Obviamente estava uma fila considerável no banheiro, e eu estava esperando empolgadíssima, apesar da fila, porque era uma aventura e tanto a que estava vivendo! Uma coisa sobre mim é que quando eu gosto de alguma coisa ou estou empolgada, parece que emano a energia mais amigável e leve que existe. Nessa energia, comecei a conversar com a moça que estava atrás de mim na fila. Falamos sobre o musical, contei para ela que era minha primeira vez vendo um musical, ela me contou que viajou de Curitiba com a família para assistir esse musical. Ela também elogiou minha roupa, e minha resposta obviamente foi dizer que era de brechó e que amo brechós, moda sustentável etc. Com o fim do intervalo se aproximando, cada uma usou o banheiro e, depois, saímos juntas e continuamos conversando. Havia, na minha cabeça, uma leve suspeita de que essa pessoa estava me paquerando, mas como pessoa insegura que sou, não dei muita bola para esse pensamento. Até que ela comentou que estava triste porque não poderia ir à parada LGBT, que aconteceria no domingo, porque o voo para Curitiba seria domingo pela manhã. Em seguida, perguntou se eu iria à parada LGBT. Eu disse que não, mas gostaria muito, complementei dizendo que viajei com minhas amigas de Campinas para São Paulo e voltaríamos para Campinas após o espetáculo. Houve uma mudança no semblante dela, que me perguntou, emulando casualidade, quantos anos eu tinha. Empolgada, eu disse que tinha 26 anos e perguntei a idade dela. Em um tom um pouco desolado, quase como um cochicho, ela disse: 10 anos a menos… Eu acho que ela percebeu como eu fiquei um pouco pálida… Nesse momento, eu disse que meu lugar era subindo um lance de escadas e minhas amigas estavam me esperando, ao que ela respondeu dizendo que o dela era no térreo. Cada uma seguiu seu caminho, eu contei para minhas amigas sobre essa experiência e foi engraçado ver a reação de surpresa quando cheguei no PLOT TWIST.
Ao fim do espetáculo ela estava me esperando nas escadas e disse “você não vai embora sem pelo menos me dar uma abraço, né?”… Nos abraçamos e as meninas disseram
“realmente, não daria para saber”.
Brincadeiras à parte, todas ficamos bastante admiradas com a confiança e capacidade dessa garota de ir em frente e tentar, né? Nós, aos 16 anos, estaríamos tremendo na base, gaguejando, passando mal. Essa mocinha mal piscou quando descobriu que eu tinha 26 anos, a idade do irmão dela (ela me deu essa informação). Eu aos 27 anos lembro dessa experiência e espero um dia conseguir usá-la como inspiração para ir atrás dos meus sonhos, ou de uma mulher bonita. Por enquanto, está difícil em qualquer uma das frontes.
Aos 16 anos eu ainda não sabia que eu era lésbica, ou sabia nos lugares mais profundos e inexplorados da minha mente. Nunca tive problema com outras pessoas sendo LGBT, só nunca pensei que essa era uma possibilidade para mim. Eu achava que estava destinada a, se não casar e ter filhos com um homem, ser como as garotas dos filmes da franquia American Pie. Isso porque eu não acreditava muito que poderia ser amada, mas estava acostumada com a função de objeto. Uma vez me disseram que, se não fosse meu rosto, eu seria bonita, porque quando adolescente eu era peituda, tinha cintura fina e pernas grossas e, aparentemente, isso era algo desejável. Meu rosto e minha personalidade nem tanto.
Acho que a menina que me paquerou no teatro foi uma das minhas primeiras experiências com uma pessoa investindo em mim, pelo menos a primeira que eu realmente percebi. É diferente dos apps, porque nos apps quando você dá match você já sabe que a pessoa é: 1- gay; 2- interessada. Na vida real você não sabe de nada, vai jogando pistas e colhendo respostas para tentar descobrir o mistério da mente do outro.
Voltando ao assunto, minha relação com sexualidade de maneira geral sempre foi meio estranha e rodeada por uma aura espessa de culpa, vergonha e nojo. A primeira vez que eu realmente beijei um garoto foi aos 17 anos, e eu nem sabia que ia acontecer. Nós conversávamos muito porque ele gostava de filosofia e eu também, e literatura e outros assuntos que, nessa tenra idade, pareciam assuntos maduros e sérios.
Um dia antes do vestibular da Unesp, em 2014, eu propus que fossemos andar de patins no parque da cidade, sempre gostei de andar de patins, e ele topou. Acabei me atrasando para chegar ao parque, mas lá estava eu, depois das 18h em um dia de verão ameno. O que eu não sabia é que ele tinha uma regra, quando você sai com uma garota depois das 18h,não é mais uma saída casual, mas um date. Horrível, eu sei. Mas eu tinha 17 anos, nunca realmente tinha beijado um garoto, achava que não era atraente o suficiente, nunca havia sido paquerada ou escolhida. Por destino ou ideias tortos, ele me escolheu e eu achei que essa seria minha única chance de experimentar os mesmos dissabores e percalços do amor que minhas amigas e todos ao meu redor pareciam viver há anos.
Tive muitas das minhas primeiras experiências, sem entrar em muitos detalhes, ao final da minha adolescência e começo dos meus 20. Direi apenas que as experiências com homens me levaram a pensar que, além da aversão que sempre tive ao toque, eu provavelmente era assexual. Isso mesmo, caros amigos, antes de pensar em homossexual, eu pensei em assexual, porque acho que em algum canto obscuro da minha mente parecia mais fácil que esse fosse o caso.
A segunda experiência com uma menina, não conto a primeira porque foi em circunstâncias pouco interessantes e eu não estava muito capaz de consentir, eu entendi. Parece que a grande ficha que, de certa forma, sempre pairou sobre a minha cabeça, fora de alcance, mas lançando uma sombra deslocada no tempo, finalmente caiu. Atingiu-me em cheio e, desde então, é minha companheira nas desventuras amorosas. Salvo alguns meninos com os quais fiquei obcecada, não porque realmente tinha interesse ou me sentia atraída por eles, mas por causa da heterossexualidade compulsória que me habitava e às vezes me conduzia, tenho certeza que sou uma mulher lésbica. Mesmo nesses episódios de obsessão com um homem, era sempre algo inalcançável, acompanhada de uma sensação esquisita do interesse compartilhado por mulheres que, sendo experiências diferentes, despertava uma curiosidade. Curiosidade também em entender mulheres que se interessam por homens de verdade, não da maneira performativa como eu me interessava antes de entender minha sexualidade. Imagino que mulheres heterossexuais, salvo aquelas que sentem necessidade de ter atenção de toda e qualquer pessoa (e por isso acabam flertando com mulheres que gostam de mulheres), não devem ter a mesma curiosidade e, se têm, acho que precisam fazer grandes perguntas e proceder com cautela (no sentido de não iludir uma sapatão que se aproxima de coração aberto e é pega no crossfire da busca pelo autoconhecimento).
Mesmo sendo abertamente sáfica, lésbica, há anos, só namorei uma vez. Mas já tive uma parcela considerável de situationships, aqueles rolos que são rolos demais para serem romance e romance de mais para ser apenas rolo. Em um deles eu me senti trocada por um homem, mas não no sentido bifóbico, no sentido de que essa menina, enquanto estava comigo, postava constantemente sobre querer se apaixonar, o que me fez questionar se era no sentido de se abrir à sentir isso por alguma pessoa, talvez por mim, ou de conhecer alguém e simplesmente sentir a paixão ferver. A conclusão veio na forma de um ghosting e uma relação assumida semanas depois. Ela realmente mora junto do namorado e eles tem gatinhos fofos, torço pela felicidade dela, mas não posso dizer que esse evento não teve efeito na minha confiança. Mesmo entendo que o que ela fez naquele momento não tem a ver comigo, é difícil não sentir o efeito rebote.
A outra situationship foi com a amiga da pessoa da história anterior (o rebuceteio de um jeito diferente, não foi intencional). E terminou também em circunstâncias duvidosas, meio arrombadas. Para o fim dessa não relação, a Alana (nome fictício) me chamou para ir em uma festa que a rep dele estava organizando. Eu não sou muito de festas, fui porque ela tinha me convidado e achei que talvez ela quisesse passar um tempo comigo. É normal assumir essas coisas, né? No fim, além de mal falar comigo, ela ficou com outra pessoa na festa. Honestamente, ela parecia mais interessada nessa outra pessoa mesmo. Depois disso, eu ainda fiquei de novo com ela na festa de ano novo da minha casa, porque a auto estima é algo que me faltava. Quem nunca, né? Depois disso, seguimos caminhos diferentes e, embora tenha sido um ghosting mútuo, meu coração sensível levou um tempo para superar os efeitos.
Para mulheres que acham que amar mulheres é mais fácil, eu posso provas que não é, embora por motivos diferentes. Pelo menos homens você pode assumir que tá tudo errado até que se prove o contrário, com mulheres você faz a aposta e espera para ver, salvo aquelas que são uma grande bandeira vermelha ambulante. Por enquanto, eu ainda não ganhei na loteria do amor, mas consegui aceitar que sou uma mulher romântica.
Uma coisa que aprendi nesses anos fora do armário é que, além de ser uma mulher romântica, não sou muito boa com relações casuais. Se eu não tiver interesse de verdade na pessoa, e eu não sei explicar o que isso significa e nem como acontece, é algo que quando clica, clica, não consigo levar para frente, sabe? O que complica um pouco a vida.
Eu não tenho coragem de colocar nos aplicativos que quero algo sério, embora eu queira, porque tenho medo de perder a oportunidade de ao menos beijar e ter alguns momentos com outras mulheres bonitas e interessantes. Ao mesmo tempo, sinto que se eu não superar esse bloqueio, estarei fadada a repetir o ciclo de situationships e amizades homoeróticas que, na melhor das hipóteses, termina em amizade amizade e, na pior, termina com meu coraçãozinho confuso e partido, ponderando se algum dia serei digna do amor e da dedicação que vem das relações sérias, qualquer que seja a configuração.
Falando em aplicativos, quando eu estou dando like ou não, meu critério às vezes funciona assim:
Achei bonita e interessante: like
Bonita demais, interessante demais, jamais me daria like: passo
Bonita, me daria like: like
Jamais olharia na minha direção e eu tenho medo de confirmar essa hipótese: like
Parece que pisaria com muita humildade no meu pescoço: like
Tem foto com gato/menciona gato na bio: like like like
Como podem ver, ainda preciso trabalhar minha autoestima bastante. Nos apps de relacionamento, eu sou a pessoa que da match mas nunca realmente sai com a pessoa, é raro acontecer de eu realmente ir em um date. Sim, eu quero arrumar uma namoradinha, não eu não estou realmente tentando, né? Sei lá, queria que a mulher perfeita caísse de paraquedas no jardim da minha casa.
Não sei como terminar a newsletter de hoje, sinto que comecei inspirada a dizer as verdades mais secretas do meu coração e depois fiquei com um pouco de preguiça, mas acho que ainda revelei um pouco desses sentimentos. Às vezes eu sinto que assisto a vida e a humanidade como um cientista ao seu experimento. Embora eu não tenha nenhuma influencia de fato na forma como as coisas fluem, parece que estou sempre observando de um terceiro lugar e fazendo anotações. Passei muito tempo em sentindo pouco humana por causa disso, porque parece que para as outras pessoas as coisas simplesmente são, o amor simplesmente é. Mas em minhas observações, percebi que isso é um grande mito. Falando especialmente em amor, pelo que observei e já senti, amar alguém não é algo dado, nem mesmo em questões familiares. Todo amor é construção e escolha. No caso do amor romântico, talvez a atração seja imediata, mas o amor amor, esse é realmente escolher os materiais e construí-lo dia a dia. Algumas pessoas parecem ter mais facilidade, outras mais dificuldades. Mas não acho que a facilidade ou dificuldade seja com o sentimento de amar em si, mas com o quanto nos sentimos confortáveis em estar vulneráveis. Vulnerabilidade é algo aprendido. Parece que a experiência humana é passar muito tempo construindo muralhas e armaduras para proteger nossa fragilidade, e depois passar muito tempo construindo pontes, portas e janelas para acessar o mundo e permitir que o mundo te acesse. É como encontrar uma campina tranquila e decidir, finalmente, caminhar descalço, sem medo das pedras, sem medo dos insetos, sem medo do gramado. Acho que cheguei na parte em que estou sentada na campina, tenho muitas companhias agora e sei que muitas ainda por vir. Passei muitos anos achando que tinha algo de errado comigo, mas o que há comigo é apenas que eu sou humana e ordinária (pode ser no sentido Cumpadi Washington, mas principalmente no sentido de comum), como todos os seres humanos.
Com carinho,
Jaci.