Fábrica Sombria - PME-ART / Jacob Wren no TBA
Olá,
Há algum tempo que não enviava uma newsletter destas — o que, dependendo do ponto de vista, pode ser uma pena ou um alívio. No último ano, gostava de vos ter escrito sobre muitos outros espectáculos que afinal se calhar até viram, ou talvez pudessem ter vindo ver, ou imaginar a partir do pouco que eu dissesse.
Mas esta sexta e sábado, no TBA, temos precisamente um espectáculo que nos permite imaginar muitos outros: A User's Guide to Authenticity is a Feeling de PME-ART / Jacob Wren. PME-ART é a companhia (canadiana) do Jacob e de Sylvie Lachance. PME não quer dizer nada, ou quer dizer tudo (Pretty Much Everything). E Authenticity is a Feeling é o nome do livro que o Jacob escreveu sobre os 20 anos de trabalho da companhia (entretanto já passaram mais alguns).
O livro é sobre performance e o espectáculo é uma conferência-performance sobre o livro. É um dos melhores livros que li nos últimos anos. Podia dizer que se lê como um romance, mas se calhar é mesmo um romance que se lê como um livro sobre performance. Sim, vai passando cronologicamente pelas criações da companhia, e este retrato a partir de dentro permite-nos imaginar o que não vimos nem vivemos. Mas também fala das ideias, das dúvidas, dos desentendimentos e das descobertas, dos aviões e dos hotéis, dos programadores e críticos e espectadores, dos teatros e festivais. Não conheço outro livro que fale assim deste estranho mundo das artes performativas contemporâneas. É emocionante e inspirador, mas também cómico e deprimente. É intensamente sublinhável.
Há personagens que reconheço, como o grande Sven Åge Birkeland (antes do Nobel de Jon Fosse, já todos os caminhos iam dar a Bergen), Toshiki Okada em Tóquio a ver uma peça de PME-ART para mais tarde integrar a experiência num espectáculo seu, os Forced Entertainment a ensaiar disfuncionalmente (?) em Sheffield, ou o Thomas Walgrave, que em Lisboa levou o Jacob ao futebol.
A autenticidade do título é algo ao mesmo tempo procurado e que se sabe não existir realmente: como é que se pode ser quem se é em palco? O livro é sobre essa busca, mas também sobre todos os outros livros que podia ser e não é: por exemplo, é escrito pelo Jacob, mas abre espaço no próprio texto para as vozes, entre parênteses, de quem foi colaborando com a companhia e pode ter visões ou memórias distintas. É na verdade um livro sobre colaboração, no sentido mais nobre e impossível da palavra e não no actual jargão capitalista:
Porque embora nunca me tenha sentido bem a colaborar, continuo a acreditar na colaboração. Talvez acredite nela ainda mais por achá-la tão difícil. Talvez acredite nela demasiado. Está toda a gente aqui neste planeta, nas nossas várias sociedades e comunidades e, goste-se ou não, temos de encontrar maneiras de trabalhar em conjunto. O facto de muitas vezes não ser fácil torna-o ainda mais necessário.
Mas antes que pensemos que este artista se está a levar demasiado a sério, e que há mesmo um caminho desimpedido que vai da arte à política, logo a seguir desconstrói "a metáfora do processo colaborativo como microcosmo para várias realidades políticas-globais": "Deve ser uma maneira de eu sentir que o que estou a fazer é mais importante do que é na verdade. Acho que isto é verdade para toda a arte. A arte é um lugar onde quem é artista sente que o que está a fazer é mais importante do que é na verdade."
Há mais de 20 anos que o Jacob Wren não apresenta um espectáculo em Lisboa. A última (e primeira) foi En français comme en anglais, it's easy to criticize, na Culturgest, em 2000 (antes do meu tempo, como se costuma dizer, mas lembro-me bem de ouvir falar). Raro como um cometa, eu não perderia esta nova passagem por nada. Bilhetes aqui.
(Faz hoje quatro anos que o TBA reabriu.)
Abraços,
Francisco