Fábrica Sombria - Mis Documentos no TBA
Mis Documentos no TBA
Estava na minha lista secreta de desejos. Já há algum tempo que queria organizar a versão lisboeta de Mis Documentos, o projecto de conferências-performance que Lola Arias coordena em Buenos Aires. Em Portugal, os artistas convidados são o Filipe Pereira, a Marta Mateus, o Pedro Penim e (do projecto original) Tálata Rodriguez. Vêm da dança, do cinema, do teatro, da poesia. O ciclo estreia hoje no Teatro do Bairro Alto e mal posso esperar. Há dois programas duplos: amanhã e depois, a Marta e o Pedro; na sexta e no sábado, o Filipe e a Tálata.
O jogo é simples: uma artista (de qualquer disciplina) sozinha em cena mostrando uma parte do seu arquivo pessoal. Foi só ao ler no Expresso a entrevista que a Cláudia Galhós fez à Lola que percebi que havia uma ligação directa entre a génese deste ciclo em 2012 e um espectáculo que veio em 2013 à Culturgest. Em Melancolía y Manifestaciones, Lola Arias pegava nas ferramentas do teatro documental (de que é uma das mais destacadas praticantes contemporâneas) e usa-as em si própria, falando da sua relação com a mãe. A certa altura, dizia:
Então a filha pensa que a cura para a melancolia da mãe poderiam ser as manifestações. A filha imagina uma manifestação constante em frente à casa da mãe. A filha pergunta-se se será possível fazer com que as manifestações passem pela porta da casa da mãe ou se seria mais fácil levar a cama dela para a Plaza de Mayo para que os gritos dos manifestantes não a deixem voltar a chorar.
E não será por acaso se as novas conferências-performance de Lisboa oscilarem também elas entre o pólo da melancolia e o das manifestações, o íntimo e o político. À cama no meio da praça irão juntar-se outras alegorias: a casa no meio da cidade, o portátil no meio da internet, a criança no meio da procissão. No TBA, a Marta vai estar A ver navios, sem dormir por causa dos cruzeiros que atravancam o Tejo; o Pedro vai navegar online, metido Nisto até ao pescoço; o Filipe fará um Arranjo Floral com Fátima, flores e frases coreográficas; e Tálata vai falar-nos do seu Padre Postal, o pai com quem manteve vários anos uma relação estritamente epistolar. Todos sozinhos, todos connosco.
Abraços, Francisco
Foto de Ana Viotti