Fábrica Sombria

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April 22, 2022

Fábrica Sombria - Action Hero e Deborah Pearson no TBA

[Olá. Escrevi algo parecido com isto hoje de manhã no Facebook, mas ficou maior do que tinha previsto e achei que fazia sentido enviar também por aqui. Desculpas a quem vir em duplicado.]

Edimburgo, 2009: vi o primeiro espectáculo dos Action Hero numa antiga capela, então programada à margem da trituradora artística do festival pelo colectivo Forest Fringe - e agora absorvida, sempre que chega Agosto, por um dos "Big Four" que transformam o Fringe num supermercado cultural a céu aberto. Na peça, chamada A Western, os filmes de cowboys eram recriados pela dupla de Bristol como uma melancólica brincadeira infantil: o pistoleiro solitário que chega à cidade a cavalo (ou seja, de bicicleta), a rapariga do saloon, as mortes sangrentas com ketchup.

Edimburgo, 2010: vi o primeiro espectáculo de Deborah Pearson num videoclube dedicado ao cinema de autor, que entretanto fechou e agora parece ter na montra - vi no Google Maps - um cartaz que diz "Robotical Ltd." A peça, Like You Were Before, era uma meditação autobiográfica sobre o tempo, partindo de um vídeo caseiro gravado no último dia que a Debbie passou no Canadá antes de emigrar para o Reino Unido.

Entretanto, tanto os Action Hero como Deborah Pearson trouxeram, cada um, três espectáculos a Lisboa, apresentados em vários lugares de um edifício que agora é um banco e dizem que será a sede do Governo, construído no local de uma antiga fábrica de cerâmica. A Debbie entretanto foi adoptada pelo meio artístico nacional: escreveu para os PANOS, já no D. Maria, e tem colaborado em várias peças da Mala Voadora.

É uma alegria recebê-los de volta, desta vez no TBA, com uma colaboração - The Talent - que mais ou menos por acaso terá aqui a sua estreia mundial. Não é coisa que aconteça todos os dias. Fica em cena desde hoje, sexta, até domingo, e o que vemos no palco, durante uma hora, é a Gemma dos Action Hero fechada numa cabine de som a gravar anúncios, vozes de videojogos, avisos de supermercado, telefonemas automatizados, anúncios, anúncios, tentando dar resposta às instruções (estapafúrdias, atabalhoadas, passivas-agressivas) que se ouvem em off (com as vozes do Jim, a outra metade dos Action Hero, e da Debbie).

É como se as heroínas de Beckett (Dias Felizes) ou Cocteau (A Voz Humana) agora vendessem cereais; como se "a voz que não se calava" dos Forced Entertainment ou o "murmúrio cósmico" dos Nature Theater of Oklahoma não fossem afinal mais do que os detritos sonoros do capitalismo, uma sopa vocal que, num cenário pós-apocalíptico (já estivemos mais longe), poderá continuar a ouvir-se enquanto houver electricidade.

O resultado é cómico, triste, assustador. Claro que a pandemia passa por aqui, subterrânea: estar fechada numa cabine de som não é muito diferente de viver num rectângulo de Zoom. Sem transformar isso em tema, o espectáculo parece-me captar de forma melancólica e especialmente perspicaz a "structure of feeling" destes anos. Não percam: bilhetes aqui.

Abraços,

Francisco

[Não sou imune à ironia que é falar deste espectáculo numa newsletter enviada para algumas dezenas de pessoas e que, muito provavelmente, vai parar ao spam ou a uma secção de anúncios do email, sem passar pela Inbox nem receber dois contos - afinal, é mesmo só mais um anúncio]

Foto de Ana Viotti

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