Abas Abertas

Inscrever-se
Arquivo
Novembro 20, 2023

[Abas Abertas #3] Togas levantadas e uma carreira cheirada pela metade

Passei uma semana em Brasília e, para minha surpresa, adorei a capital. Embora eu seja um pedestre entusiasmado e Brasília ofereça muito poucas vias caminháveis, compensa com o agradabilíssimo ambiente das superquadras. É uma delícia sentar à beira da praça central de uma quadra qualquer e tomar uma cerveja com amigos no clima seco, aproveitando a brisa do final de tarde. Os prédios do Plano Piloto são bonitos e seus cinco ou seis andares sobre pilotis, a meu ver, deveriam ser o padrão adotado por todas as cidades do mundo. As áreas comerciais nos andares térreos incentivam os passeios curtos e a convivência. Embora tudo seja longe, é possível chegar a qualquer lugar do Plano em cerca de 15 minutos em viagem de carro. Mesmo no final da tarde, o trânsito flui bem.

Meu hotel ficava em frente a um marco da história brasileira recente, o Posto da Torre, cujo lava jato foi o estopim de muitas correrias e confusões. Além da placa do famigerado lava jato para capturar selfies, o estabelecimento oferece bares e lojas de conveniência 24 horas, com mesas para os clientes. Como tudo na capital fecha perto da meia noite, trabalhadores, lobistas e senhoras da alta sociedade convergem para o Posto da Torre, onde confraternizam alegremente com traficantes e prostitutas. Você pode tomar um chope gelado, comer um shawarma, alugar um narguilé ou comprar uma garrafa de Royal Salute, tudo no mesmo lugar. Se der sorte, pode até conseguir uma mesa com um pouco de cocaína já enfileirada, o pino vazio largado ao lado por algum usuário que teve de sair às pressas. Um deputado que precisava voltar ao Congresso para dar seu voto em matéria de alta relevância para a União? Uma transsexual que foi chamada por um cliente? No Posto da Torre, tudo é possível.

Em termos de gastronomia, recomendo, além do ponto turístico da Lava Jato:

Santo Acarajé
Restaurante Tia Zélia
Bar Iracema
Cervejaria Corina
Restaurante Dona Graça

=========================================

O motivo da viagem foi o 21º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo, para o qual fui convidado pela organização. Uma enorme honra, pois se tratava de um evento festivo, em celebração aos 20 anos da SBPJor. Palestrei sobre "o futuro do jornalismo: crise epistêmica e desinformação", dividindo a mesa com a professora da UFPI Ana Regina Rêgo. O painel ficou gravado no canal da Faculdade de Comunicação da UnB no YouTube, caso alguém queira assistir. Também apresentei uma pesquisa sobre o Prêmio Cláudio Weber Abramo de jornalismo guiado por dados, em breve disponível nos anais do evento, junto da minha orientanda Giulia Reis Vinciprova. Acima de tudo, revi colegas e amigos que não encontrava desde a pandemia.

=========================================

O Judiciário, mais uma vez, levantou a toga e deixou o seu corporativismo balançando para todo mundo ver, quando a juíza Andrea Cristina Rodrigues Studer, de Florianópolis, condenou a jornalista Schirlei Alves a seis meses de detenção em regime aberto e a uma "reparação" total de R$ 400 mil. A repórter denunciou o tratamento dispensado pelo juiz Rudson Marcos e pelo promotor Thiago Carriço, coleguinhas da juíza Studer, à vítima de estupro Mariana Ferrer. A sentença veio a público logo após o Conselho Nacional de Justiça emitir uma advertência ao juiz Rudson Marcos, por seu comportamento no caso. Os abusos de direitos humanos contra Ferrer foram tão flagrantes que motivaram a tipificação do crime de violência institucional contra vítimas.

O recado do Judiciário brasileiro é claro: magistrados estão acima da lei e não podem ter suas atividades questionadas por ninguém.

É uma aberração a injúria, calúnia e difamação serem tratadas na esfera penal no Brasil, justamente porque dá margem a violações das liberdades de expressão e de imprensa. A sentença imposta a Schirlei Alves só pode ser interpretada como uma retaliação a seu trabalho como jornalista. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos já advertiu o Brasil há dez anos sobre esses riscos e recomendou o tratamento dessas questões na esfera civil. Até agora, nada foi feito para mudar o Código Penal.

=========================================

A série de reportagens Donos da Cidade, publicada pelo Sul 21, deveria ser de leitura obrigatória para todos os cidadãos de Porto Alegre. Os repórteres Lidiane Blanco e Luís Eduardo Gomes evidenciam como o secretário de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade da capital gaúcha, Germano Bremm, assumiu o papel de rainha do cupinzeiro que se instalou na Prefeitura e na Câmara de Vereadores para beneficiar empresários da construção civil, em especial as famílias Zaffari e Melnick.

=========================================

Enquanto a prefeitura se preocupa em violar o Plano Diretor para atender aos pedidos das construtoras, se esquece de proteger a cidade contra as enchentes. Em setembro, os problemas poderiam ser desculpados, em parte, pelo fato de que o sistema de comportas não era usado desde 2015. No entanto, na terceira semana de novembro uma cheia voltou a atingir o Guaíba e, mesmo alertada com dias de antecedência, a administração municipal não preparou adequadamente as comportas. Uma delas se rompeu e isso é revoltante, porque fica permanentemente fechada e poderia muito bem ter sido reforçada com areia meses atrás. Ironicamente, a água inundou umas das áreas de maior interesse imobiliário, o 4º distrito. O prefeito Sebastião Melo, que adora passear por aí com colete da Defesa Civil, desta vez resolveu abrir mão do protagonismo.

=========================================

Pluto, série de animação disponível no Netflix, se passa em um futuro no qual robôs e seres humanos convivem no dia a dia. As leis da robótica de Isaac Asimov são integradas às inteligências artificiais, de modo que as máquinas sejam incapazes de ferir seres humanos - com direito inclusive a um personagem parecido com o escritor. No entanto, autômatos podem matar uns aos outros e são usados em uma guerra entre as fictícias Pérsia e Trácia, anos depois da qual os membros de uma comissão criada para investigar a existência de robôs de destruição em massa começam a ser assassinados. Gesicht, um robô detetive, passa a investigar os crimes e, com isso, a desencobrir seu próprio passado. É uma ótima série, tanto em arte quanto em roteiro, baseada no mangá de Naoki Urasawa, criador do também excelente Monster - fato que percebi primeiro pelo estilo e depois confirmei na internet.

=========================================

A notícia é do ano passado, mas novidade para mim: a editora JBC obteve sucesso em convencer o Studio Ghibli a licenciar o mangá Nausicaä do Vale do Vento, de Hayao Miyazaki. Há cerca de dez anos, a Conrad chegou a lançar alguns volumes, mas foi à falência antes de terminar a publicação. Três volumes da JBC já se encontram disponíveis, mas para quem lê bem inglês talvez valha mais a pena aproveitar o preço baixo atual desta caixa. Nausicaä é uma princesa dotada de uma capacidade acima da média de se relacionar com animais, em um mundo destruído pela guerra e pela poluição. Ela decide investigar as florestas tóxicas que prosperam no solo contaminado e suas estranhas formas de vida, enquanto reinos beligerantes tentam recauchutar armas de destruição em massa. Uma história oportuna para o atual momento.

=========================================

A Casa Gabriel Rodrigues, localizada em São Gabriel, no pampa gaúcho, produz um azeite de olivas arbequinas chamado Piccolo, cuja proposta é ser mais palatável para as crianças - isto é, menos adstringente e amargo. Testamos na criança daqui de casa e agradou bastante.

Abas Abertas

Por Marcelo Träsel

Rua Ramiro Barcelos, 2705 - Porto Alegre, Brasil

Não perca o que vem a seguir. Inscreva-se em Abas Abertas:
Weblog
Este e-mail chegou a você pelo Buttondown, a maneira mais fácil de lançar e expandir a sua newsletter.