#118. O banheiro público como um microcosmo da humanidade
Tempo de leitura: 4 min.
Olá,
Ano passado recebi uma cópia de “Humanidade: Uma história otimista do homem”, da editora Crítica. Acho admirável que existam pessoas otimistas, como o autor Rutger Bregman. Estamos carentes de otimismo.
Bregman argumenta que as pessoas são boas, é a sociedade que as corrompe. Para ele, o nosso pecado original foi o desenvolvimento da agricultura e o assentamento em cidades, há 10 mil anos. (Outros historiadores pop, como Yuval Harari e Jared Diamond, também evocam a ideia.) Dessa decisão infeliz teriam surgido todos os nossos problemas. Éramos felizes, saudáveis e pacíficos quando caçadores-coletores.
O livro repassa os muitos questionamentos que surgem da premissa de que somos bons numa tentativa incessante de desmontá-los. Achei meio cansativa a estrutura “arrá!”, que pega estudos e eventos famosos que confirmariam a nossa tendência à maldade, como o experimento de Milgran, e aponta erros, falhas e conspirações em todos eles. Não que a argumentação seja necessariamente ruim ou mal embasada, só é, como dito, cansativa.
Falta um capítulo para eu terminar a leitura. A menos que ele seja surpreendente, e ainda que Bregman faça uma boa defesa da nossa inerente pacificidade no que li até agora, o elefante continua na sala. Basta levantar a cabeça do livro e olhar ao redor para ver que, no mínimo, há algo de muito errado no Homo sapiens contemporâneo.
Eu compro a ideia de que as pessoas somos boas por natureza, de verdade. O problema é que a bondade carrega consigo certas fraquezas e alguns vieses que nos fazem trair o instinto benevolente, e a maneira como estamos estruturados socialmente parece recompensar os nossos piores desvios. (Sempre me recordo, e Bregman a menciona de passagem, aquela pesquisa que constatou traços de psicopatia acima da média em executivos de grandes empresas.)
Fiquei pensando, durante a leitura, em como banheiros públicos representam um microcosmo da humanidade. Por melhor cuidados que sejam, grandes são as chances de você entrar em um e ver um xixi no chão, um papel higiênico colocado de qualquer jeito na lixeira, alguma nojeira.
O nosso primeiro impulso é culpar a coletividade. O ser humano é porcalhão, olha o banheiro público zoado aí para provar. Só que talvez não seja o caso? O problema da coisa pública é que basta uma pessoa para macular o ambiente — e, por tabela, a reputação de toda a espécie. E, por qualquer motivo (álcool, desatenção), às vezes essa pessoa é você mesmo(a), que se julga tão civilizado(a) e correto(a)!
Bregman também menciona a desconfiança exagerada que temos em relação aos outros, um problema especialmente grave no Brasil. É uma paranoia constante, fomentada por gente com interesses escusos ou inocente ou ignorante, que nos afasta e coloca uns contra os outros. Eu não sei de nada, muito menos pesquiso o assunto, mas tenho a sensação de que esse é um dos maiores problemas do nosso tempo.
Como confiar mais uns nos outros? De modo mais amplo, como desatar esse gigantesco nó? Não tenho ideia.
Falando em banheiros, ano passado, quando pedi dicas de convivência para casais que moram juntos, uma das que recebi foi esta:
Ah, e uma super dica pra quem já dividiu a casa com três mulheres: passe a ter o hábito de urinar sentado. Você passa a entendê-las melhor e não corre risco de levar esporro por deixar tampa do sanitário levantada.
Estendo a dica aos leitores homens ou que urinam de pé. É transformador. Muito mais higiênico.
Coisas legais do Manual:
- Uma matéria sobre empresas brasileiras adotando a semana de quatro dias de trabalho.
- Mais um golpe na praça: o do restaurante falso no iFood.
- Meu notebook, de 2015, não será mais atualizado pela Apple. Isso me fez questionar quando um computador se torna obsoleto.
- Eu e a Jacque gravamos um podcast das novidades da Apple para 2022.
- Troquei meu celular, um iPhone de botão por outro iPhone de botão. iPhone de botão é o melhor iPhone.
A propósito, estou vendendo meu iPhone de botão velho. Interessou? Responda este e-mail.
Vi dois filmes bem legais. Drive my car, do Ryusuke Hamaguchi, é uma das coisas mais bonitas sobre o luto a que já assisti. Longo, lento e lindo — tire três horas de um dia em que estiver bem disposto(a) para encará-lo. Está na MUBI.
O outro foi Adeus, Lênin!, do Wolfgang Becker, comédia que mostra o esforço de um filho para manter a ilusão de que o muro de Berlim não caiu enquanto sua mãe, uma comunista fervorosa, estava em coma. Vi no HBO Max.
Algumas indicações — ou coisas que eu uso e que têm programas de indicações que dão benefícios a quem se cadastra e a mim:
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Obrigado pela companhia!
Abraço,
Rodrigo Ghedin.