#116. Banho de sol
Tempo de leitura: 8 min.
Olá,
O dia estava bonito no último domingo e eu não tinha nada para fazer, aí desci no pátio do prédio e fiquei andando e tomando sol enquanto ouvia um podcast.
Gostei.
Durante a semana, repeti as descidas, só que de manhã e quando havia sol. Sempre encontro outros moradores, a maioria (todos?) acompanhados de seus cachorros. Eu não tenho cachorro, fico meio deslocado, mas não a ponto de me sentir intimidado. Levo meu cachorro imaginário e fico ouvindo podcast enquanto processo um pouco de vitamina D. Só vantagens.
Fiquei pensando por que não fazia isso antes. Talvez tenham sido os anos morando no centro, em uma vizinhança nada convidativa a esse tipo de passeio a esmo, ou então a pandemia, que nos momentos agudos me enfurnou ainda mais dentro de casa, com receio de sair para qualquer coisa.
Retomando o assunto da última newsletter, queria falar de como a recepção daquilo que publicamos molda o nosso comportamento e preferências por locais de expressão no ambiente digital.
Quase duas décadas de redes sociais comerciais criaram novas expectativas para a comunicação online. Temos curtidas, reações, o tique duplo azul do WhatsApp para nos certificarmos de que o receptor foi alcançado e, de fato, viu o que mandamos.
Esse condicionamento, arrisco dizer, foi devastador para outros meios de comunicação digitais menos óbvios ou explícitos.
Sinto que para muita gente é mais gratificante escrever um textão no Instagram do que em um blog porque no Instagram existe a ilusão de que você está sendo lido(a), enquanto no blog os sinais explícitos de atenção dispensada são muito mais difíceis de serem emanados (comentários, basicamente) e, por isso, mais raros.
Digo que é uma ilusão porque apenas um percentual mínimo de quem nos “segue” no Instagram vê o que publicamos.
Em 2016, quando o Instagram mudou o feed de cronológico para algorítmico, o próprio aplicativo disse que seus usuários não veem cerca de 70% do conteúdo publicado pelas contas que seguem.
Considerando que o algoritmo apenas organiza o feed, que o volume de postagens aumentou um bocado nos últimos seis anos e que hoje o Instagram enfia Reels e conteúdos virais no meio do feed, é seguro dizer que aquele 30% de conteúdo visível dos perfis que seguimos diminuiu desde então.
No Twitter isso é verificável no “analytics” da plataforma. Um post comum no perfil do Manual do Usuário, que não viralizou, aparece para uma fração da base de seguidores. Este, por exemplo, foi visto por apenas 5,13% do número total de seguidores (lembrando que um post ali pode ser visto por não seguidores, via RTs e tal). E mesmo os que não floparam, tipo este, não vão muito além — 15,52% do total de seguidores.
Sim, existem situações em que é imprescindível ter certeza de que alguém recebeu sua mensagem. Só que esse não é o caso da maioria das redes sociais, desta newsletter (não monitoro taxa de abertura ou qualquer outra métrica de desempenho), de blogs — até, em alguns aspectos, do Manual do Usuário, que tem um viés mais comercial.
Ao publicar em plataformas abertas, onde esse feedback explícito e ilusório não é tão forte, em vez de imaginar que ninguém está me lendo/vendo/ouvindo, penso que é uma chance de chegar a pessoas que, de outra forma, jamais me leriam/veriam/ouviriam. E mesmo que ninguém leia/veja/ouça, tudo bem — há um quê de narcisismo, mas o simples ato de criar e espalhar essa criação pelo mundo, muitas vezes, me basta.
Acho que o trabalho com o Manual/jornalismo digital faz eu encarar esses dilemas com uma lupa maior que a das outras pessoas, ainda que, infelizmente, a sustentabilidade de diversos tipos de negócios esteja cada vez mais condicionada ao desempenho em redes sociais. (Papo para outra hora.)
Além do Manual, também me detenho com algumas métricas de coisas não profissionais, de perfis pessoais, no caso apenas por curiosidade.
Minha nova conta no Instagram, por exemplo, que uso exclusivamente para acompanhar familiares e amigos, é quase sempre simétrica: sigo o mesmo tanto de pessoas que me seguem, ainda que as duas listas não estejam espelhadas, ou seja, tem gente que sigo e que não me segue, e vice-versa. É só uma coincidência.
No Twitter, mantenho o mesmo perfil pessoal desde 2008 e tenho o do Manual desde 2013. Imaginava que elas compartilhavam muitos seguidores, ou seja, que a maioria das pessoas desse universo seguiam as duas ao mesmo tempo. Acreditava tanto nisso que, faz uns três ou quatro anos, abdiquei de divulgar coisas que fazia no Manual no meu perfil pessoal por temer soar repetitivo.
Até que rodei um teste e descobri que da soma de seguidores das duas contas, apenas 11,2% seguem ambas, o que significa que 25,8% dos seguidores do meu perfil pessoal também seguem o do Manual.
Enquanto estava no interior, li alguns livros curtinhos, uma velha trapaça para aumentar o volume de livros lidos no ano. Foi também a maneira que encontrei de não comprometer muito do meu tempo com leituras sem abdicar totalmente do hábito enquanto estava longe de “Anna Kariênina” (inviável carregar aquele tijolo na bagagem):
- “Quando deixamos de entender o mundo”, do Benjamín Labatut, publicado pela Todavia. É um livro de contos que mistura personagens e eventos reais com ficção. A escrita do Benjamín é envolvente, mas fiquei o tempo todo incomodado por não saber o que era realidade e o que era ficção.
- “Crônica de uma morte anunciada”, do Gabriel García Márquez, publicado pela Record. O título é literal e a escrita do Gabriel dispensa comentários. Bom demais, e pontos extras por mencionar o coronel Aureliano Buendía, criando um multiverso fantástico muito antes da Marvel saturar a fórmula no cinema.
- “Os bastidores da internet”, de Eduardo Vieira, autopublicado. Conta os bastidores da internet comercial no Brasil, com foco na virada do milênio. Dá uma endeusada nas personagens, mas tudo bem, não dava para esperar algo diferente desse tipo de publicação, que, mesmo assim, é bastante interessante e importante para entender o nosso mercado. Infelizmente tive que lê-lo no Kindle do iPad.
Retomei “Anna Kariênina” assim que voltei a Curitiba. Falta 29% para conclui-lo. Ufa!
Vi o filme novo do “Batman”, dirigido pelo Matt Reeves e com o Robert Pattinson como protagonista. Três horas de filme, pelo amor de deus. Não é um gênero que me atrai, mas encaro essas sessões como encaro o uso do TikTok, ou quando me enveneno com um McDonald’s a cada cinco anos: é preciso um mínimo de conhecimento de causa para poder falar mal com propriedade.
Achei o filme bem fraco, aquém das minhas já baixas expectativas.
A primeira coisa que me chamou a atenção foi como a atmosfera é vazia, o que deixa o filme meio desalmado, tipo quando falta grana para contratar figurantes. (O que, obviamente, não é o caso aqui.) Talvez tenha sido uma escolha artística para exacerbar a introspecção do personagem principal, mas sei lá, acho que falhou.
Mesmo as partes legais e diferentes dos outros filmes — a exploração do lado “detetive” da personagem — soam rasas. As motivações do Batman, a ingenuidade dele perante os problemas sociais e políticos de Gotham, tudo ali é muito, mas muito raso frente à proposta que o filme insinua nos materiais promocionais e em alguns breves momentos.
Quando o filme está se encaminhando para o fim, aliás, vemos um lampejo de consciência despontar no Bruce Wayne, mas é só uma distração. Na cena seguinte ele já está vestido de morcego de borracha outra vez, pronto para distribuir porrada nos guetos da cidade porque, isso sim, com certeza resolverá os altos índices de criminalidade e a corrupção generalizada.
Alguém pode malhar os filmes do Nolan, mas nesse aspecto eles são muito bons, fora da curva em se tratando de filmes de heróis, especialmente o segundo.
Em outras sessões mais felizes, vi “A oitava esposa de Barba-Azul”, do Billy Wilder, e “Ninotchka”, do Ernst Lubitsch. Ótimos.
“Ninotchka” é curioso do ponto de vista histórico. Lançado em 1939, à porta da II Guerra Mundial e muito antes da Guerra Fria, o filme retrata a Rússia de um jeito estereotipado (é um filme norte-americano), associando o comunismo à miséria e à austeridade e retratando uma disciplina quase robótica, seguida ou pela paixão cega no regime ou pelo medo de ser mandado à Sibéria, e contrapõe tudo isso às tentações e maravilhas do capitalismo. Bizarro, mas é um filme divertido.
A confirmação da venda do Twitter a Elon Musk causou um pequeno êxodo para o Mastodon. Meus perfis lá, pessoal e do Manual, tiveram um crescimento expressivo em seguidores. No site, publiquei dois materiais em texto, um que explica as instâncias e lista as brasileiras, outro das diferenças dele para o Twitter, e gravamos um podcast com o Dobrado, da instância bantu.social.
Dois materiais do site publicados esta semana meio que viralizaram:
- Por que estas TVs da Samsung dão defeito logo após a garantia expirar?
- Caí no golpe do trabalho de meio período que rende R$ 5 mil por dia para tentar entendê-lo — e falhei
Algumas indicações — ou coisas que eu uso e que têm programas de indicações que dão benefícios a quem se cadastra e a mim:
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- ~Livraria do Manual: Compre pelos links e ajuda a financiar o site sem gastar um centavo a mais.
Valeu pela companhia e até a próxima!
Abraço,
Rodrigo Ghedin.