#113. Novos velhos hábitos
Tempo de leitura: 10 min.
Olá,
Espero que esteja bem aí. Por aqui, sigo desviando do coronavírus (passou um de raspão) e tocando a vida.
Disse, no última mensagem (em outubro!), que voltaríamos a nos falar ainda em 2021. Não rolou, foi mal. Abaixo, como sempre, um punhado de coisas sem ordem que reclamaram um espaço na minha cabeça nos últimos meses.
Passei três anos longe do Instagram e do Facebook. (Até cometi um textão no aniversário de dois anos.) Não fazia falta, até que num dia fez e, então, fui lá e fiz uma nova conta. E agora, em janeiro, fiz uma nova conta no Facebook.
Ainda acho o Facebook (~Meta, agora) uma empresa nociva, mas (e sempre tem um “mas”) é nesses lugares onde as pessoas estão e se comunicam e… sei lá. Não me surpreenderei se daqui a alguns meses decidir excluir esses perfis, porque acho que somos cíclicos. No momento, estou numa fase em que me sinto mais isolado que o habitual, distante das pessoas do meu convívio, ou que gostaria que fossem do meu convívio. Daí o caminho mais fácil: ir aonde elas estão, ou seja, ir às redes sociais.
Para isso, elas funcionam minimamente bem. (Sempre que eu disser isso, considere feitas todas as ressalvas do tipo “é um recorte das vidas delas”, “o algoritmo filtra tudo” etc.) Diria que funcionam melhor em contas/perfis novos, como os meus, ainda sem a bagagem acumulada de anos adicionando pessoas que vimos uma vez na vida, páginas de memes e de — bate na madeira — empresas querendo se passar por gente.
Consigo ver os novos posts e stories das pessoas que sigo em… sei lá, 10 minutos por dia, se muito. E isso contabilizando a enxurrada de anúncios que o Facebook/Instagram despeja na gente. É insalubre. Como uso bloqueador de anúncios em tudo, os do Facebook/Instagram ficam mais destacados. (Não dá para bloqueá-los.)
Outra constatação curiosa de seguir uma base reduzida de pessoas é que algumas são “super postadoras” e acabam se sobressaindo, ficando em mais evidência. As motivações parecem bem diversas. Independentemente delas, esse experimento revela como nessas redes é preciso se expôr muito para ser visto.
Eu realmente gostaria que usássemos serviços melhores, como o HalloApp, uma espécie de WhatsApp misturado com Instagram, mas sem manipulação algorítmica, uma arquitetura para privacidade melhor pensada e menos incentivos para sermos performáticos. Sigo por lá também, esperando. Vai que um dia o HalloApp vire mania, né?
(Daqui a algumas semanas elaborarei melhor a experiência de retornar às redes do Facebook na newsletter do Manual do Usuário. Se você ainda não a recebe, clique aqui e inscreva-se gratuitamente.)
Há muito desisti de resoluções de ano novo. Coincidência ou não, estou chegando ao fim de janeiro mantendo dois hábitos com surpreendente regularidade: a leitura de livros e a prática de exercícios físicos. Tenho lido pelo menos algumas páginas todo dia (o menor volume foi sete páginas dia desses) e fazendo exercícios físicos dia sim, dia não.
São hábitos que sempre quis manter, que consigo manter em períodos blocados, mas quase nunca com regularidade — ou seja, nunca viraram hábitos. Do que pude observar, dois detalhes têm me ajudado com a sequência atual:
- No caso da leitura, ler dois ou mais livros ao mesmo tempo. Eu sempre li um livro de cada vez, daí quando estava lendo algo mais denso, havia dias em que a preguiça me vencia com um pé nas costas. Agora, nesses dias em que ela aparece forte, eu recorro a um romance leve ou qualquer outra leitura mais fácil.
- No dos exercícios, foi a constatação de que praticá-los diminui um tanto a intensidade do meu bruxismo. Já tinha apelado até a remédios, mas nada foi tão benéfico quando correr/caminhar e gastar meia hora fazendo abdominais, flexões de braço e outros exercícios simples, do tipo que se faz em casa.
Por falar em livros, compartilho abaixo a lista dos (poucos) que li e não li (abandonei) em 2021, com breves comentários, em ordem cronológica (de janeiro a dezembro):
- “Raízes do Brasil”, do Sérgio Buarque de Holanda. Somos um país que patina, patina e não sai do lugar.
- “Trabalho focado: Como ter sucesso em um mundo distraído”, do Cal Newport. Muita gente recomendou este livro, mas achei chatão e acabei abandonando. Parece um daqueles milhares de posts de produtividade do Medium, mas mais prolixo render um livro.
- “O fim do homem soviético”, da Svetlana Alexievich. Relatos diversos e entrecortados de entrevistas que a autora fez com pessoas comuns no período da queda da União Soviética, revelando um modo de viver muito diferente do nosso (capitalista ocidental), pior em alguns aspectos, melhor em outros. É fenomenal.
- “A guerra pela Uber”, de Mike Isaac. Esses livros de negócios, mostrando os bastidores de grandes empresas, são reportagens com uma narrativa dramática e mais detalhes de bastidores que, no dia a dia, passam batidos. A Uber é outra dessas empresas bosta que acabo tendo que usar.
- “A vida mentirosa dos adultos”, da Elena Ferrante. É só o segundo livro dela que leio (se considerarmos a tetralogia napolitana um livro só) e fiquei com uma sensação fortíssima de déjà vu. A protagonista aqui se parece muito com a Lenu e todo o contexto e motivações e atmosfera se parecem muito com os do outro livro. É ok.
- “A era da iconofagia”, do Norval Baitello Junior. Um livro de artigos/ensaios do Norval, em que ele se debruça na nossa fixação por imagens e como isso satura os sentidos, causa uma espécie de torpor. É bem acadêmico, mas o tipo de leitura que muda a maneira como encaramos as coisas. Segunda vez que o leio.
- “Americanah”, da Chimamanda Ngozi Adichie. Um belo romance, o primeiro dela que li.
- “Sem filtro: Os bastidores do Instagram”, da Sarah Frier. Outro daqueles livros de negócios, este mostra como dois caras que fizeram um aplicativo legal de fotos foram enganados por um dos maiores pilantras do século XXI.
- “Armas, germes e aço: Os destinos das sociedades humanas”, do Jared Diamond. O livro tenta responder por que foram os europeus que conquistaram o resto do mundo e não o contrário. Acho que comentei ele em uma edição anterior da newsletter.
- “Ouvindo vozes”, do Gus Lanzetta. A proposta do livro é ser um guia para quem quer começar a fazer podcasts. Cumpre o objetivo em alguma medida, mas tem muito, muito ruído, como a transcrição integral de uma conversa do autor com um podcaster que não tem muito a ver com podcasts. É outro caso de livro que seria melhor se fosse um post de blog.
- “Design para um mundo complexo”, do Rafael Cardoso. Para um livro de uma década, segue bastante atual. Gosto que o Rafael expande o conceito de design, não fica apenas no da forma das coisas. Fez eu questionar algumas convicções que tenho em relação à indústria.
- “Farenheit 451”, do Ray Bradbury. Tivesse lido este uns dez anos atrás, teria achado muito surreal. Hoje, soou como algo próximo da nossa realidade.
- “Cem anos de solidão”, do Gabriel García Márquez. Segunda vez que leio. Sem comentários, exceto que é bom demais.
- “Tudo é rio”, da Carla Madeira. Ganhei de presente e comecei a ler sem a menor noção do que se tratava. É uma história competente, com um estilo de prosa bem marcante — embora às vezes soe um pouco pretensiosa. Quanto à história, é meio “‘Hilda Furacão’ encontra Nelson Rodrigues”.
Desde 2020 uso um aplicativo para monitorar minhas leituras, o Leio (iOS). Ele tem uma parte de estatísticas que permite ver dados consolidados, então sei que em 2021 passei 126h27min lendo, e que li 4.587 páginas, por exemplo. E é todo offline, ou seja, seus dados ficam privados. Em 2022, pretendo bater a meta, e aí dobrar a meta.
Em janeiro, li dois: “Reinvenção da intimidade: Políticas do sofrimento cotidiano”, do Christan Dunker (achei muito técnico, aproveitei umas poucas partes, boiei no resto) e “Uma verdade incômoda”, da Cecilia Kang e Sheera Frenkel, mais um da categoria “big tech fede”. Escrevi umas palavras desse último no Manual.
Para filmes, adotei o Letterboxd mesmo, o que me poupa o trabalho de listar e dizer de quais filmes gostei em 2021 nesta mensagem. É só clicar aqui para ver a lista — os filmes com coração, por óbvio, são os que eu curti muito.
Foram 79 filmes, média de 6,5 por mês. Um bom volume.
O Letterboxd só falha em não oferecer um filtro para a nacionalidade dos filmes. Desde 2020 tenho tentado assistir a mais coisas não-norte-americanas. Em 2020, quando fazia o registro manualmente, consegui. Em 2021, me desculpe, mas não estou muito no clima de fazer essa contagem. Porém, dando uma olhada por cima, acho que consegui de novo. Não que seja muito difícil. (Que blasé, né.)
Do que vi agora, em janeiro, ganharam coraçõezinhos:
- “Masculino-feminino” (1966), do Godard. A petulância do jovem atravessa fronteiras e gerações.
- “Sete minutos no paraíso” (1985), da Linda Feferman. Esse eu tive que apelar à pirataria para conseguir rever, porque não está em lugar algum. E é uma pena, porque embora tenha cenas bizarras para os padrões de hoje, é um filme de adolescente muito sensível e bonito.
- “Titane” (2021), de Julia Ducournau. Visceral e muito doido. Não assista se tiver o estômago fraco.
Compramos um Roku Express na última Black Friday e isso, somado à união dos nossos streamings (meus e da P.), expandiu o acesso às coisas que temos para ver. (A minha TV não tem apps para o HBO Max e MUBI, por exemplo.) E, ainda assim, tive que piratear o “Sete minutos no paraíso”. Pirataria sempre superior.
Todo fim de ano faço um recesso no Manual. Acho bem útil, para descansar, para consertar várias pequenas coisinhas e pensar em novas ideias. Uma em que pensei e que já se mostrou um sucesso é a newsletter da segunda-feira, sempre com uma dica fácil, rápida e útil. O retorno pelos botões de feedback me surpreendeu — esses e-mails de dicas geram mais cliques nos botões e a maioria é super positiva.
Fora isso, em janeiro já rolaram algumas coisas legais por lá:
- Publiquei um “O que eu uso”. É um registro para a posteridade e serve de contexto para a linha editorial do site.
- Uma matéria, rescaldo de 2021, a respeito de fintechs que focam em menores de idade. Quis focar mais no aspecto pedagógico, não deu muito certo, mas acho que o resultado ainda suscita a reflexão.
- No Guia Prático, o podcast semanal do site, vamos tentar trazer convidados para entrevista ao longo do ano. A primeira saiu na última quinta, com a Raquel Saraiva, do IP.rec e Coalização Direitos na Rede. Falamos desses órgãos e também da tramitação do PL das fake news.
- Boa parte da cobertura de tecnologia tem se resumido a acompanhar a institucionalização de picaretagens gigantescas que só colam porque tem gente com muito dinheiro as promovendo. Criptomoedas, NFTs, metaverso, Web3. De minha parte, tenho tentado alertar os leitores. O último artigo de opinião é sobre Web3.
Algumas indicações — ou coisas que eu uso e que têm programas de indicações que dão benefícios a quem se cadastra e a mim:
- WineBox Do Seu Jeito: Uma assinatura de vinhos, que entrega quatro garrafas todo mês por R$ 107,60, ou R$ 26,90 por garrafa. Assinando com o meu cupom, nós dois ganhamos um vale-compras de R$ 50 cada. O cupom é RDRG325466
- Fastmail: Um serviço de e-mail australiano, alternativa ao Gmail e Outlook. Ele oferece e-mail, calendário e agenda de contatos, e até um espacinho para publicar sites estáticos (o meu pessoal está hospedado lá). Uso o plano de US$ 5/mês desde 2017, sem reclamações. Assinando por este link você ganha 10% de desconto por um ano.
- ~Livraria do Manual: Uma seleção de livros indicados e/ou citados em posts e podcasts do site. Ao comprar por esses links você não ganha nada, sinto muito, porém ajuda a financiar o Manual do Usuário sem gastar um centavo a mais.
Obrigado pelas dicas de convivência a dois na última newsletter! O período inicial é realmente turbulento, e a mudança… meu deus, que estressante. Felizmente a fase mais difícil passou e agora as coisas estão tranquilas.
Mês que vem, se der, a gente se fala de novo. (Você pode responder esta mensagem como se fosse um e-mail qualquer, aliás.) Talvez eu devesse incorporar o envio mensal da newsletter às resoluções, digo, aos hábitos de 2022. Tentarei.
Abraço,
Rodrigo Ghedin.