Denis Pacheco

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November 13, 2024

Não existe trabalho mais ingrato do que ser Familiar de Vampiro

Um emprego imaginário onde a única tarefa é agradar o chefe em busca de uma "promoção" inalcançável. Suspensão de descrença no limite, não?

Na última edição, eu mencionei que algumas ideias, quando anunciadas, parecem fadadas ao fracasso. Quem achou interessante estender a história já esgotada de Obi-Wan Kenobi em uma minissérie que não chegou a lugar algum? Tirando o próprio Ewan McGregor, quase ninguém.

Nesse mesmo espírito, quando foi divulgada, há seis anos, a adaptação televisiva de What We Do In The Shadows parecia uma tentativa triste de capitalizar em cima de um fenômeno pontual. O filme de 2014, dirigido por Jemaine Clement e Taika Waititi, contava a história de três vampiros em estilo mockumentary. Por meio de vinhetas, os espectadores conheciam um pouco da rotina de quatro personagens das trevas que assombravam as ruas de Wellington, na Nova Zelândia. A ideia era refletir sobre como esses vampiros se tornaram criaturas patéticas e deslocadas em um presente que nem os considerava ameaçadores. Algo que parecia difícil de replicar, pois o humor dependia principalmente da química entre os quatro atores, que conheciam bem os personagens que interpretavam.

Harvey Guillén como Guillermo de la Cruz em “What We Do In The Shadows” - Foto: Russ Martin/FX

Quando o canal americano FX lançou a versão televisiva em 2019, muitos de nós permanecemos céticos. No entanto, ao saber que a série não seria apenas um remake/adaptação, mas uma espécie de continuação, contando a história de outro grupo de vampiros — desta vez em Staten Island, nos EUA —, a descrença começou a diminuir.

Embora Laszlo (interpretado pelo sempre brilhante Matt Berry) e Nandor (Kayvan Novak) remetam aos vampiros do filme original, três novos “tipos” de personagens foram introduzidos para diferenciar a série: Colin Robinson (Mark Proksch), um vampiro diferente, uma espécie de Dilbert que suga não sangue, mas energia com sua presença entediante; Nadja (Natasia Demetriou), uma vampira que constantemente rouba a cena; e, por fim, Guillermo de la Cruz (Harvey Guillén), o novo familiar do grupo, um humano que sonha em ser transformado em vampiro, assim como seu ídolo, o Armand interpretado por Antonio Banderas em Entrevista com o Vampiro.

Para muitos de nós, Guillermo sempre foi o coração da série e o elemento que a sustenta até hoje (na sexta e última temporada). O familiar de vampiro não é uma invenção moderna; ele existe na figura triste/asquerosa de Renfield, de Drácula de Bram Stoker. Normalmente, ele é o subserviente cuja única característica é servir cegamente ao seu mestre, colocando-se em risco e atraindo outros para a órbita homicida dos vampiros.

Na versão televisiva de What We Do In The Shadows, Guillermo parece seguir esses preceitos ao pé da letra. Ele constantemente se anula, se rebaixa e, indiretamente, causa várias mortes em nome de seu mestre Nandor, que claramente não tem intenção de transformá-lo em vampiro. Ser um vampiro, para Guillermo, é ter poder, e poder significa autonomia. Para ele, os quatro vampiros da casa são figuras fantásticas que vivem fora do capitalismo e das preocupações mundanas. Ao mesmo tempo, por estarem tão alheios ao sistema, eles paradoxalmente dependem de Guillermo para lidar com aspectos básicos do mundo atual.

Ser um familiar de vampiro é uma profissão ingrata na maioria dos casos, e Guillermo prova isso em cada novo episódio. A recompensa pelo trabalho (virar vampiro) é como uma cenoura na ponta de uma vara, mantendo-o em movimento sem que ele tenha chance real de alcançá-la. A série complica ainda mais essa metáfora ao revelar (spoiler de temporadas passadas) que o próprio Guillermo é descendente de uma longa linhagem de caçadores de vampiros.

Mesmo após despertar para seu lado caçador, Guillermo permanece como familiar, utilizando suas habilidades de luta para proteger os mestres que, paradoxalmente, o maltratam (não sem algumas faíscas de camaradagem genuína). É uma relação de trabalho complexa, que me leva a pensar em quantos de nós experimentamos algo semelhante em nossas próprias vidas profissionais. Não que nossos chefes estejam literalmente sugando o sangue de inocentes (embora alguns estejam), mas quantos de nós já não entramos no mercado de trabalho com a esperança de, um dia, “nos tornarmos vampiros” – escapar da corrida para pagar contas e conquistar o estranho luxo de poder viver em função dos nossos desejos mais viscerais?

No entanto, assim como os familiares de vampiros, a transformação nunca acontece. Fica o questionamento: caso ela aconteça, vale a pena nos tornarmos monstros também?

What We Do In The Shadows está disponível na Disney+.


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