Será que compensa ser Capanga de Supervilão?
Em uma semana de eleições trágicas em SP, que tal fugir para uma cidade que tem solução: Gotham?!
Quando foi anunciada pela Warner/DC, logo após o sucesso de The Batman nos cinemas, a série focada no Pinguim não me pareceu uma boa ideia. Tive a mesma reação quando a Disney decidiu investir em uma prequel de Rogue One focada no personagem de Diego Luna. Não vou me desculpar por ter repetido a frase: “Que ideia infeliz” a cada novo promo que saía de ambas.
O fato é que eu estava... errado. Tanto Andor quanto Pinguim são séries que me envolveram e provaram que é possível contar uma ótima história em torno de personagens que pareciam pouco carismáticos ou esgotados pela cultura pop. E foi durante o terceiro episódio de Pinguim que me convenci de que o personagem Victor Aguilar (interpretado por Rhenzy Feliz, que já viveu um super-herói da Marvel em Fugitivos, série do Hulu) seria um ótimo tema para esta newsletter.
Victor é um jovem morador de Crown Point, na periferia de Gotham. No primeiro episódio, Victor é apresentado como um pequeno criminoso, que tentava roubar os pneus do carro do Pinguim (interpretado por Colin Farrell). Forçado a se tornar cúmplice de um assassinato, ele acaba, involuntariamente, se tornando capanga do vilão do Batman.
A princípio, não parece haver grandes vantagens em ser capanga. Em outras mídias, os capangas dos vilões do Batman costumam ser homens fantasiados com as cores e identidade visual do vilão da vez, servindo apenas para apanhar do Homem-Morcego sem nenhuma cerimônia ou tempo de tela. É de se pensar por que alguém, em sã consciência, trabalharia para um supervilão em uma cidade patrulhada por um homem com recursos infinitos, que nunca dorme. Será que eles têm um plano de saúde excepcional oferecido pela Liga dos Vilões?
No caso de Victor, como Pinguim se esforça para ser uma série mais realista, sabemos exatamente o que o motiva. No fatídico terceiro episódio, um flashback revela que o rapaz foi vítima de duas tragédias: a primeira, o plano do Charada em The Batman, que, em linhas gerais, resultou na explosão de barragens que continham os rios de Gotham. A explosão inundou tanto áreas centrais quanto periféricas. A onda foi tão violenta que varreu prédios inteiros, afogando famílias em suas salas de jantar. Uma dessas famílias era a de Victor.
A segunda tragédia envolve a negligência das instituições de Gotham. Crown Point é um bairro esquecido. Após o ataque terrorista, seus moradores convivem com falta de segurança e infraestrutura básica: nada de luz, nada de água. Em uma promessa à la Tony Soprano, o Pinguim se apresenta a Victor como alguém que vai resolver o que políticos não resolvem, “cuidar dos seus” e se tornar uma espécie de antiherói para os desprivilegiados.
Tudo isso se encaixa bem na tese da série parece ser a de que as instituições de Gotham são os verdadeiros vilões. A justiça é ineficiente, os policiais são corruptos, os hospitais transformam pacientes frágeis em criminosos instáveis (como é o caso de Sofia Falcone em Arkham) e o Batman não está em lugar algum. Muito menos sua contraparte, Bruce Wayne, que poderia realmente ajudar. Não se ouve nada sobre Bruce ajudando os necessitados nesta Gotham. Não é a primeira e nem será a última vez que veremos esse ângulo ser explorado em histórias do Batman, sem o Batman.
A intenção é que essa ausência vire a força motriz da trama (e leve ao seu prolongamento):
"A exclusão do Cavaleiro das Trevas pelo programa está começando a parecer uma escolha sábia; esta série está apostando alto em si mesma, em suas próprias apostas. O Pinguim não está implorando por uma segunda temporada ou mesmo seu próprio filme, embora nós, como espectadores, inevitavelmente o faremos — e os estúdios inevitavelmente atenderão."
— Justin Charity, The Ringer
Esta é a terceira produção audiovisual derivada do Batman neste ano que ignora o Cavaleiro das Trevas. Além de Pinguim, tivemos a animação Kite Man: Hell Yeah! na Max e o filme Coringa: Delírio a Dois. Ao que parece, quando estamos nas ruas de Gotham e longe da Mansão Wayne (convenientemente nunca localizada ao nível da rua, sempre afastada do centro ou no alto da cidade), é bem mais fácil entender por que alguém ignorado por todas as instâncias formais da cidade se tornaria um capanga. Ser um capanga se torna a única proteção contra uma metrópole que os ignora ou os odeia.
Dito isso, eu teria bem mais cuidado em transpor essa analogia para o nosso mundo, pois a violência é um fator complexo e multifacetado, e uma série baseada em personagens de HQs, originalmente criadas para crianças, raramente trará grandes insights sobre a questão. Já em Pinguim, quando o foco está em Victor, suas motivações são transparentes. E, vide as inspirações mafiosas por trás da série, podemos intuir que o final de sua carreira criminosa não será feliz.
Pinguim está disponível na Max.
Na próxima newsletter: E se o pagamento pelo seu trabalho fosse ser transformado em vampiro?