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Março 27, 2025

Um pouco sobre Metal Gear Solid 2 e a construção da nossa identidade

Um videogame para adolescentes apáticos

Arte de Yoji Shinkawa para Metal Gear Solid 2, com Snake e Raiden como figuras centrais
Metal Gear Solid 2: Sons of Liberty (2001)

Alguns dias atrás revisitei Metal Gear Solid 2: Sons of Liberty no meu Vita. Um port até que bem decente! Fiquei maravilhada ao experimentar esse joguinho em algo tão pequeno, tão portátil. Meio alma de velha achar isso algo tão impressionante em 2025, mas imagina o mesmo em 2012? Aos olhos de uma eu adolescente, teria sido mágico. Mas com certeza não tão mágico quanto Metal Gear Solid 2 em si pra essa mesma eu adolescente.

Minha adolescência é um período um tanto que nebuloso. Não tenho lá muitas memórias dela, e muito menos da minha infância. Não que tenham sido tempos de trauma. Só acho que algo importante, algo que nos faz gente de verdade, ainda não existia dentro de mim. Tudo em retrospecto parece um sonho. Uma vida que nem minha é. Talvez seja por isso que as vezes eu me sinta mais jovem do que eu realmente sou. Eu só não existo a tanto tempo assim.

Mas tenho memórias de MGS2. Algo na estrutura química do meu cérebro mudou pra sempre. As sinapses elétricas do meu sistema nervoso entraram em curto-circuito. Foi uma das primeiras vezes que a eu adolescente engajou com arte que lhe fez pensar. Pensar um pouquinho sobre meio que qualquer coisa. Eu tinha uma cabeça com absolutamente zero ideias!

Não é estranho pra mim só pegar esse joguinho, mesmo em um console portátil com botõezinhos minúsculos e controles touch, e só conseguir jogar ele. Por instinto. Pura memória muscular. O que mostra que talvez, apenas talvez, eu tenha passado meio que tempo demais com ele 10 anos atrás. O que não é um problema! Eu não tinha nada melhor pra fazer.

Raiden em MGS 2 apontando sua SOCOM em direção a câmera.
Nosso menino!

Estranho é a reta final aqui ainda me pegar. Acho que eu estava com uma certa ilusão de que eu tinha amadurecido demais pra esse joguinho aqui, que ele seria juvenil e raso. Bobo, talvez até um tanto que burro. Uma imagem manchada pelo cinismo doentio da internet ocidental. Mas realmente existe algo especial aqui! Algo real e tangível. Certamente não de providência profética, mas de muito valor pra qualquer um perdido nas ansiedades de um mundo digital controlado por forças abstratas além da nossa compreensão!

Veja bem, muita coisa em Metal Gear Solid 2 acaba sendo em retrospecto um tanto que frustrante. Parece que um quarto do jogo é raptado por todo o arco sem graça do Fatman! Muito tempo gasto congelando bombas, navegando repetidamente pela mesma dúzia de salas. Talvez isso até ajude a alimentar o sentimento meio “anti jogador” que permeia por toda a sua duração, mas não lá da maneira mais engajante.

Eu não poderia me importar menos com o Stillman e seu passado trágico. Ou com o próprio Fatman e seu passado ainda mais trágico! Mas ainda assim não é algo tão destoante quanto o drama familiar dos Emmerichs. A Emma aparece e some em menos de uma hora, mas seu impacto na narrativa é quase nuclear. Até Metal Gear Solid V ainda lida com as consequências dessa bomba na franquia. Chega a ser um tanto que impressionante!

Mas nada disso é o suficiente pra diminuir Metal Gear Solid 2 e o seu final quase apoteótico. Nenhuma linha de diálogo bobinha ou piada com xixi e cocô. Isso até faz parte do charme, essa brincadeira com tons e clichês. O exagero e o espetáculo estão lá pra serem apreciados. Acho que esse jogo seria até menos sem a Emma Emmerich, no final das contas. Uma pitada de trauma familiar talvez seja algo necessário aqui, por mais esquisito que possa parecer a primeira vista.

Algo parecido pode ser dito sobre aqueles momentinhos explorando um pouco a relação do Raiden com a Rose. Podem não ser lá muito interessantes no começo, mas estão lá pra gente ter um gostinho de humanidade, sabe? São o primeiro passo pra que as discussões sobre identidade e livre-arbítrio tenham um pouco mais de peso, sejam um tico mais tangíveis.

Precisamos saber que os dois tem um relacionamento não lá muito tradicional. Que Raiden, ou Jack, é uma pessoa que vive a mercê de nada. Dorme em um quarto vazio, com apenas uma cama de solteiro e uma escrivaninha. Nenhuma decoração, sem livros ou revistas, sem uma televisão. Sem paixões, por mais mundanas que elas sejam. Alguém sem identidade.

Snake entregando uma espada para Raiden em MGS 2.
Momento um tanto que símbólico, inclusive. Raiden ganha seus próprios verbos de gameplay pela primeira vez no jogo inteiro. Ganha um pouco mais dessa tal de identidade!

Esse aspecto em particular da sua personagem é algo que bate meio forte comigo. Eu também já vivi sem identidade, inundada de completa apatia. Com algumas paixões, mas tão vazias quanto a maioria dos meus dias. Sem objetivos, sem um destino. Sem sonhos.

Me deixando ser guiada por qualquer um com o mínimo de controle sobre mim, acabei só não vivendo uma adolescência muito feliz. Talvez uma vida sem grandes conflitos, sem muitos traumas. Mas ainda um tanto que infeliz. Não há como correr atrás do tempo perdido mesmo se eu quisesse, mas ainda me frustra saber o quanto que eu demorei pra pegar no tranco. O quanto que eu demorei pra me criar. Fazer o esforço de me fazer eu.

Identidade é algo que a gente cria. Apenas nós somos capazes de moldar quem nós somos. Nos compreender o suficiente pra aprendermos a sonhar, a tomar providências pra tomarmos um pouco de controle do nosso próprio destino. Mesmo no mar de informações sem fim que a gente vive, controlado por uma manifestação holística quase onipotente de valores cruéis e vis, a gente ainda é capaz disso. E a capacidade disso é algo que nunca pode ser tirado do espírito humano, enquanto a gente for gente.

Talvez esse joguinho fosse algo que uma adolescente apática precisasse. Provavelmente outras pessoas tem uma experiência parecida, até! Difícil não o revisitar com um certo carinho. Só meio que reforça aquela coisa de que videogames não envelhecem tanto assim quanto a maioria das pessoas pensam. Experiências não envelhecem.

Otacon, Raiden e Sanke dandando em direção a câmera em MGS 2.
Adoro esses caras!

Muito obrigada pela leitura!

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