Quem você quer convencer?

Quem você quer convencer?
Por Lucas D. M. dos Santos
Em algum momento acreditamos que a internet era o passo que faltava para a humanidade. A ferramenta capaz de elevar a nossa consciência através da troca ilimitada de informação. Estávamos errados. Por mais que a rede seja mesmo um ótimo canal de informações e geração de conhecimento, ela também se tornou uma forma de reunir grupos conspiratórios e disseminar mentiras em uma escala nunca antes vista.
O cardápio é vasto, vai do espiritualismo freestyle, que combina todo tipo de religiosidade despida dos significados originais, até movimentos anti-vacina e grupos golpistas de extrema direita que ameaçam a democracia na frente dos quartéis, semelhantes a movimentos presentes em diversos outros países.
Todos nós já nos deparamos com postagens absurdas e por vezes tentamos responder com os fatos, supostamente na esperança de que a realidade seja capaz de vencer crenças conspiratórias. O resultado, porém, na maior parte das vezes é tornar o interlocutor refratário a nós e ainda mais firme em suas crenças
O fato – com o perdão do trocadilho – é que fatos não convencem ninguém, além do mais, vamos combinar que em situações como estas nós normalmente estamos mais preocupados em provar nosso ponto e assim obter uma vitória intelectual ou moral do que em persuadir ou afastar nosso interlocutor desses grupos.
Quem me fez pensar a respeito disso foi este episódio do podcast Cautionary Tales de Tim Harford, com o jornalista David McRaney, autor do livro How Minds Change: The Surprising Science of Belief, Opinion and Persuasion* lançado há pouco tempo e ainda não publicado no Brasil. (Como as mentes mudam: A surpreendente ciência da crença, opinião e persuasão, em tradução livre).
Este episódio tem tudo que me deixa mais feliz em um podcast. Informações novas e interessantes, participantes carismáticos, pouca enrolação e, claro, ele reforça muitas coisas em que eu já acreditava, sobre algumas delas eu já falei por aqui:
Eu sei, eu sei, estamos em busca de pensamento crítico e de conteúdos que contradigam nossas crenças para nos fazer discordar e assim aprender, etecétera. Mas, sério mesmo, alguém tem coragem de negar que é gostoso encontrar um conteúdo que valida e reforça conclusões às quais já havíamos chegado?! Tudo isso em um podcast estrangeiro com um cara que estudou o assunto para escrever um livro?! É bom demais.
Essa sensação gostosa é uma pequena parte do que forma um sistema de crenças. O apoio mútuo às ideias compartilhadas por uma comunidade que cristaliza as ideias em torno de um grupo. É por isso que contra pessoas imersas em grupos conspiratórios, fatos são tão eficientes em persuadir quanto a zaga do Vasco ao defender um escanteio. Admitir que a realidade contradiz suas ideias geralmente equivale ao suicídio social para gente que após muito tempo, por vezes pela primeira vez, encontrou uma comunidade, com apoio e entendimento mútuo.
Ou você acha que os grupos de Incel - involuntary celibates, ou celibatários involuntários em português - encontraram na internet apenas um lugar para despejar seu chorume misógino como desculpa para seu fracasso sexual e afetivo? Pelo contrário, eles se reuniram em uma rede extremamente tóxica de apoio mútuo, cuja saída cobrará um preço extremamente alto. Como o pago por Charlie Veich, então membro relevante do grupo conspiratório Truthers, ao admitir que a queda do World Trade Center, em 11 de Setembro de 2001, foi realmente um atentado terrorista e não um trabalho interno do governo norte americano.
Após mudar de ideia e transmitir suas conclusões aos demais integrantes do grupo, Charlie passou a ser vítima de ameaças, chantagens, teve de mudar de cidade e até adotar outro nome para poder seguir sua vida. Por outro lado, sua experiência mostra que é possível mudar a opinião de quem foi cooptado por este tipo de grupo. Porém, não através da vitória em embates online.
A real é que tão bom quanto ter sua opinião validada por outros, seja por uma figura influente ou por um grupo de apoio, é sentir que se tem a resposta certa a uma discussão, a bala de prata que mudará a opinião alheia e será capaz de virar a situação a favor dos valores corretos (os nossos). Um tiro que quase sempre sai pela culatra.
Se queremos transformar a visão da sociedade em relação a temas caros a nós, estamos fazendo algo de muito errado.
A mudança de opinião é um processo longo e exaustivo. Persuadir começa por conseguir separar pessoas cooptadas pelos grupos conspiratórios das que comandam e tiram vantagens deste arranjo. Passa por não pressupor que todas estas pessoas sejam estúpidas ou más e a partir daí seguir, dentro do possível, por uma conversa franca, capaz de fazer com que ela se sinta segura para explorar suas crenças, desejos e motivações. São elas que formam, e portanto podem também mudar, suas opiniões.
Afinal, como David McRaney cita na introdução de seu livro - que ainda preciso ler - “Toda Persuasão é autopersuasão.” E mesmo que haja para nós algum papel nesse processo, ele está em fazer com que as pessoas se sintam autorizadas a mudar suas conclusões e não no narcisismo de tentar ser a chave para a mudança alheia.
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