Os deputados não nos representam. Por quê?

Os deputados não nos representam. Por quê?
Por Lucas D. M. dos Santos
E aí, tudo bem?
Baseado nas pesquisas de intenção de voto divulgadas até então, é bem provável que você já tenha definido seu voto para presidente este ano, ou ao menos contra quem votará. Mas e o deputado federal, já escolheu?
Não precisa disfarçar, eu também não decidi e não somos os únicos. Embora o deputado seja o político cuja função é efetivamente representar o povo, é também um dos nossos votos mais negligenciados e esquecidos. O resultado é que a “Casa do Povo” não reflete em nada a sua população.
As mulheres ocupam apenas 15% dos assentos da câmara, enquanto são 51,2% da população. Sim, mais de metade dos brasileiros são representados por menos de 1/6 do congresso. Já pessoas identificadas como negras (pretos e pardos) compõem 24,3% da atual legislatura, enquanto são 53% de nossos compatriotas. E se a gente for falar de população indígena, aí vira passeio. Joênia Wapichana é atualmente a única deputada integrante dos povos originários do Brasil, antes dela o último nativo eleito havia sido o xavante Mário Juruna em 1982.
A câmara representa muito bem sim um grupo social, aquele ao qual eu pertenço: Homens brancos heterossexuais. Porém, acredito que seja seguro dizer que mesmo esse nosso grupo de privilégio não se sinta exatamente representado pela câmara. Não a toa o mote das passeatas de junho de 2013 era “Não nos representa”, uma negação institucional que, para alguns, é o marco zero da degradação política em que nos encontramos.
Ajuda muito pouco nessa sensação de distanciamento dos políticos que as eleições para deputado sejam proporcionais, ao invés de majoritárias. Isto é, seu voto não vai só para o candidato escolhido, mas sim para eleger, proporcionalmente partidos e coligações.
Funciona assim: Divide-se o total de votos válidos pelo número de vagas que determinado estado tem direito no congresso. Esse resultado se chama Quociente Eleitoral. Depois divide-se o número de votos conquistado por um partido pelo quociente eleitoral para saber quantas vagas cada partido, ou coligação, conquistou.
Ok, continua complicado.
Então imagine um estado que teve 40 votos válidos para 5 vagas na câmara. Neste exemplo o Quociente Eleitoral é 8 (40/5). E vamos supor a seguinte votação para o hipotético Partido Amarelo:
Candidato Amarelo A: 16 Votos
Candidato Amarelo B: 4 Votos
Candidato Amarelo C: 2 Votos
Candidato Amarelo D: 2 Votos
Já o partido Roxo atingiu o seguinte:
Candidato Roxo A: 5 Votos
Candidato Roxo B: 5 Votos
Candidato Roxo C: 4 Votos
Candidato Roxo D: 2 Votos
Ao somarmos o resultados dos partidos, o Amarelo conquistou 24 votos e o Roxo 16. Agora dividimos este resultado por 8 (o Quociente Eleitoral) e teremos 3 e 2 vagas, respectivamente, para cada partido. Assim o Candidato Amarelo C com apenas dois votos será eleito, enquanto o Candidato Roxo C, com quatro (o dobro!) ficou a ver navios.
Na eleição real o número de votos é muito maior, assim como o de partidos, mas a lógica é a mesma. Foi graças a esse sistema que em 2010 Jean Willys, do PSOL, foi eleito com 13 mil votos pelo Rio de Janeiro, enquanto Luciana Genro, do mesmo partido, não conseguiu vaga, mesmo ao alcançar mais de cem mil votos, no Rio Grande do Sul.
Ao ver o exemplo acima talvez você pense que esse sistema só pode ser uma conspiração para manter políticos corruptos no poder. Dessas coisas que só no Brasil mesmo, né?
Não. O sistema proporcional é adotado em países como Bélgica, Noruega, Áustria, entre outros. E tem razões para existir. Ele garante que nenhum voto seja desperdiçado. Tanto as “sobras” dos mais votados quanto a votação dos não eleitos, contribui para montar o quebra cabeça da representação. Afinal, se o Partido Amarelo recebeu 3/5 dos votos, faz sentido que as pautas defendidas por ele correspondam a 3/5 da casa legislativa.
O problema é: A gente não vota nas pautas dos partidos. Um dos motivos para isso é que a maior parte dos nossos partidos não defende ideologia alguma. O Partido Ecológico Nacional se tornou “Patriotas” e ninguém percebeu a diferença pois ele sequer defendia qualquer princípio ambiental.
Com o vazio representativo gerado por tantos partidos fisiológicos o personalismo surge para defender determinadas causas ou classes, ou mesmo para se eleger através de assistência básica, enquanto arrasta um monte de deputados acessórios para o plenário.
Sempre tem quem vá resumir um problema complexo ao moralismo de uma suposta falta de consciência política do povo. Mas em um país que, de Norte a Sul, falha em atender as necessidades básicas da população, o voto é muitas vezes dado por sobrevivência ou até gratidão a quem demonstra maior potencial de suprir suas carências, mesmo que isso extrapole funções legislativas ou seja simplesmente ilegal.
É uma história conhecida. O vereador que agilizou a cirurgia da sua tia, conseguiu os óculos do filho do vizinho, ou o deputado que arrumou a vaga dos seus sobrinhos na creche pública para que sua irmã pudesse trabalhar. Poucas dessas ações, possivelmente nenhuma, é papel de um deputado. E é simples para nós, com tempo livre para ler newsletters de palpites políticos, condenar quem “vende” seu voto assim. Mas o fato é: Essas transações resolvem problemas emergenciais e na hora da emergência escolhe-se a solução que está à mão.
Enquanto a estrutura do estado falhar em prover o básico, esse atendimento será capitalizado por um político supostamente bem-intencionado, mas pronto a votar em benefício próprio, que ainda arrastará uma penca de outros deputados a reboque, dos quais a população sequer tem como cobrar, pois não sabe que os colocou ali.
Há quem veja como solução outro sistema de voto, como o distrital, o qual também possui problemas e pode causar distorções ainda maiores através da manipulação de distritos por governos estaduais, o gerrymandering, frequente no sul dos EUA. Ou até mesmo o voto proporcional por lista fechada, com o qual votaríamos exclusivamente nos partidos e coligações, algo que, poderia obrigar o eleitor a votar de acordo com a ideologia do partido e acabaria, supostamente, com os puxadores de voto.
Mas tudo isso é apenas uma pequena fatia de uma discussão ainda mais complicada, que envolve patrimonialismo e estruturas de influência regional que perpetuam famílias e grupos políticos no poder em estados de todas as regiões do Brasil e seria capaz de influenciar qualquer sistema eleitoral, como faz com o nosso.
Então qual a solução?
Não sei. Eu sequer sei se o problema está na forma de votar ou no sistema proporcional. Como sempre, problemas complexos não possuem soluções simples
O que você acha que funcionária melhor?
Me conta aí e até a próxima!
Concorda, discorda, acha que só falei besteira? Responde aí e me conta, ou indique para alguém!
Como em toda conversa, quanto mais gente
mais barulho e caos melhor!
Em todo caso, obrigado pela leitura!
Você também me encontra no Twitter e no Instagram
Caso você tenha chegado até aqui e ainda não é cadastrado, inscreva-se na newsletter!
P.S.: Leia as edições anteriores de Lapso Trivial
Concorda, discorda, acha que só falei besteira?
Responde aí e me conta!
Se ainda não é assinante, se cadastra aí!
Como em toda conversa, quanto mais gentemais barulho e caos melhor!
Você também me encontra no Bluesky