Linhas Cruzadas logo

Linhas Cruzadas

Inscrever-se
Arquivo
Junho 9, 2022

De quem é a culpa pelo extremismo?

por Lucas D. M. dos Santos

Lapso Trivial

De quem é a culpa pelo extremismo?

Por Lucas D. M. dos Santos


Oi, tudo bem?

Se você pegou turbulência em algum voo recente a resposta provável é não. Precisa de muita racionalidade para achar seguro se espremer em uma lata que estremece feito louca a 11.000 metros do chão.

Mas de fato é muito seguro voar. Aviões comerciais não caem por turbulência, ou qualquer motivo isolado. Sistemas redundantes e de segurança garantem que para derrubar uma aeronave, só mesmo uma série de erros ou situação completamente imprevisível.

A chegada de um extremista ao poder é algo relativamente parecido. Não há acontecimento único capaz de gerar um Hitler, Mussolini, Pinochet ou Médici.
 
Ao analisar a ascensão nazista, economistas lembrarão que a Alemanha do entreguerras se tornou um país pobre e hiperinflacionário. Sociólogos podem culpar uma sociedade ainda fragmentada, após pouco mais de meio século de unificação. Historiadores talvez digam algo sobre a humilhação de um país obrigado a se desarmar após a derrota na primeira grande guerra. E ainda vai ter algum bacharel em comunicação para lembrar da construção da retórica e do uso feito por Goebbels do mais novo meio de comunicação à época, o rádio.
 
A Alemanha, porém, não foi a única derrotada na primeira guerra, nem passou sozinha pela crise dos anos 30. Sequer foi o primeiro lugar a usar a comunicação de massa para engajar a população. Isoladas, todas as hipóteses acima são falhas. Unidas, porém, ajudam a explicar a ascensão de um artista medíocre e cheio de ideias erradas ao poder.
 
Em que pesem semelhanças e diferenças entre as situações, vivemos no Brasil de hoje sob a égide de um populismo de extrema direita. Após quase três décadas de democracia relativamente firme, o Brasil elegeu um presidente abertamente pró-tortura e que diuturnamente coloca em dúvida o processo democrático.

Sua eleição é precedida por uma sequência de vitórias do Partido dos Trabalhadores. Antes muito popular, o partido viu surgir na sociedade uma forte aversão à sua bandeira, em especial nas classes médias e altas, o chamado "antipetismo" que levou à deposição de Dilma Rousseff da presidência nacional e se fortaleceu com a prisão do ex-presidente Lula.

Essa sequência de fatos pode nos levar a pensar que a vitória de Jair Bolsonaro sobre um candidato petista em 2018 seja consequência do "antipetismo", análise difundida por alguns jornalistas e candidatos atuais à presidência da república.

Um dos problemas dessa tese é ignorar que o deslocamento do eleitorado de direita para os extremos do campo ideológico é um fenômeno global. Donald Trump foi eleito presidente dos EUA em 2016 e mesmo derrotado em 2020, mantém apoio expressivo. Assim como Marine Le Pen nas duas últimas eleições presidenciais francesas. Ao olhar para países próximos, temos no Chile o pinochetista Antônio Kast, derrotado por Gabriel Boric e na Colômbia Rodolfo Hernandéz, chamado por lá de Trump Tropical, que chegou ao segundo turno da disputa presidencial deste ano.

A ascensão da extrema-direita passa por figuras como o falecido Olavo de Carvalho e Steve Bannon, cuja construção ideológico obscurantista encontra apelo em setores conspiratórios e conservadores da sociedade, para então chegar a outros públicos através de mensagens ultra segmentadas, baseadas em dados coletados de usuários em redes sociais.
 
Mais do que um sentimento antipetista, estes esforços resultaram em um sentimento antipolítica dentre o eleitorado conservador, capaz de roubar votos da esquerda, mas principalmente pulverizar qualquer candidatura de direita. Dois dos maiores partidos do Brasil – MDB e PSDB – viveram uma redução substancial de quadros eleitos em 2018. Por outro lado, o PT, não sem dificuldades, conseguiu manter seu piso eleitoral (cerca de 30%) e a segunda maior bancada na câmara dos deputados.
 
Como disse o filósofo Bernard-Henri Lévy, em entrevista ao El País em 2018: “A vitória de Bolsonaro é uma derrota da esquerda, mas é uma derrota muito mais importante da direita. Bolsonaro a devorou. [...]Ele quer acabar com ela e em parte conseguiu. Hoje ela está fora do jogo.”
 
Quatro anos depois, suas palavras se provaram acertadas. Lula, o candidato do PT, tem chances de vencer a próxima eleição presidencial em primeiro turno (embora seja muito cedo para qualquer aposta) e pesquisa recente do Datafolha demonstra que 49% do eleitorado brasileiro se enxerga como de esquerda. Já a direita não-bolsonarista ainda não passou de 3% em qualquer pesquisa eleitoral dos últimos meses e vê sua relevância nas casas legislativas ser suplantada pelo fisiologismo do centrão.
 
Por mais que o Ciro Gomes queira acreditar nisso, a ascensão bolsonarista não é apenas reflexo do antipetismo, mas sim parte de um processo complexo, cuja compreensão é fundamental para qualquer leitura política, mas especialmente importante para grupos de direita, liberais e conservadores, que busquem recuperar pautas sequestradas por um movimento extremista, em muitos casos com sua própria anuência oportunista.

Pois Lula pode até derrotar Bolsonaro nas urnas, mas a ideologia bolsonarista seguira viva. Para vencer o extremismo de direita é preciso que a própria direita republicana pare de fugir às suas responsabilidades e culpar adversários pelo próprio fracasso. O passo seguinte é conseguir alguma unidade e relevância para recuperar suas bases perdidas. Uma democracia forte pressupõe, também, uma direita forte, desde que democrática.
 
Por último, vale lembrar que também cabe à esquerda vigiar seus monstrinhos e evitar que sua estruturas sejam invadidas por grupos como os militantes da QTP, recentemente infiltrados no PDT.

Diferente da chegada nazista ao poder, prestes a completar cem anos, o deslocamento das direitas do século XXI para o extremo ideológico ainda é um fenômeno em andamento e longe de ser compreendido completamente. A ânsia por respostas nos deixa suscetíveis a explicações simples para questões complexas, que, na melhor das hipóteses, revelam uma parte do quadro, enquanto servem mesmo para justificar nossa própria incapacidade de lidar com o fenômeno.
 

Até semana que vem!
 


Se curtir o Lapso Trivial, indique a um amigo ou amiga!
Caso concorde, discorde ou ache que só falei besteira Responde aí e me conta!
Como em toda conversa, quanto mais gente
mais barulho e caos melhor!
Em todo caso, obrigado pela leitura!
Você também me encontra no Twitter e no Instagram

 


Caso você tenha chegado até aqui e ainda não é cadastrado, inscreva-se na newsletter e Leia as edições anteriores de Lapso Trivial
 

Concorda, discorda, acha que só falei besteira?

Responde aí e me conta!

Se ainda não é assinante, se cadastra aí!

Como em toda conversa, quanto mais gente
mais barulho e caos melhor!
Você também me encontra no
Bluesky

Não perca o que vem a seguir. Inscreva-se em Linhas Cruzadas:
Este e-mail chegou a você pelo Buttondown, a maneira mais fácil de lançar e expandir a sua newsletter.