A Tecnoutopia da Vida Pós-algoritmos

A Tecnoutopia da Vida Pós-algoritmos
Oi, tudo bem?
A resposta provavelmente depende de quanto tempo você gastou comTwitter, Instagram ou Facebook, nesses últimos dias.
Fontes de discussões duvidosas, como as implicações do tapa do Will Smith no Chris Rock na última cerimônia do Oscar, as redes sociais foram alguns dos primeiros sinais do que viria a se tornar a Algoritmização, se é que existe essa palavra, da Vida.
O processo aparentemente inevitável e irresistivelmente confortável de deixar nossas decisões a cargo de modelos matemáticos programados – na maior parte das vezes – por empresas bilionárias e monopolistas.
O que pode dar errado, né?
Tá bom, algoritmo é um termo meio amplo, então para delimitar, eu falo especificamente dos modelos estatísticos que cruzam informações, muitas vezes obtidas sem que soubéssemos, para escolher a próxima música a ser ouvida, vídeo a ser assistido, o primeiro post visto em sua rede social ou os resultados daquela busca online na madrugada, além do mais importante, toda a publicidade entre eles.
Eu confesso, muito disso é um traço pessoal, uma vontade de querer ser dono das próprias ações e não deixar que uma máquina decida qual música eu quero ouvir em seguida, mesmo quando ela acerta. Da mesma forma não é difícil entender a aderência de tanta gente aos algoritmos. Chegar em casa cansado e poder ouvir, ou assistir, algo agradável, escolhido de acordo com seus gostos não pode ser tão ruim, pode?
Pode.
Há essa ideia meio tecno-utópica, meio preguiçosa, de que modelos matemáticas são entidades neutras, como forças da natureza. Adventos contemporâneos de precisão inquestionável, destinados a extirpar da sociedade os vieses de decisão, demasiado humanos e falhos. Exceto que por terem seus parâmetros e variáveis definidas justamente por pessoas, estes algoritmos já saem de largada com todos os vieses, intenções e objetivos de quem os programou e pior, permanecem presos a eles.
Ainda assim, se falamos de uma fórmula estatística para ajudar o usuário a encontrar conteúdos afins, sejam eles em áudio, vídeo ou texto, parece difícil encontrar um problema real na atuação destes modelos. A questão é: Na imensa maior parte das vezes, esse não é o objetivo das plataformas. Se o serviço é gratuito, você não é cliente, é o produto.
Por exemplo: O Youtube sugere vídeos para que os usuários passem mais tempo na plataforma e assim consumam mais publicidade direcionada. Estes conteúdos não são, necessariamente, os que mais agradam o usuário, mas aqueles com os quais ele tem mais chance de engajar, às vezes através da curiosidade, mas geralmente pela raiva e radicalização. Enquanto você assiste, o algoritmo identifica seus gostos e hábitos para entregar a melhor experiência, não para você, mas para o anunciante.
As plataformas fazem de tudo para se desvencilhar do conteúdo que veiculam, mas seus algoritmos são escolhas editoriais personalizadas. Até aí nada de novo sob o sol. Qualquer veículo de comunicação define a frequência e a disposição do conteúdo de acordo com seus objetivos.
Entretanto, para saber quem define as notícias, ou a foto de capa da revista, basta procurar pelo editor na folha de rosto. Para descobrir o responsável pela ordem das manchetes de abertura do Jornal Nacional, basta observar os créditos do programa. Além disso, toda a audiência consome o mesmo conteúdo em cada um destes veículos e, com toda a problemática que essa capacidade de pautar discussões pode criar, isso garante ao menos um universo compartilhado sobre o qual discutir.
Em plataformas mediadas por algoritmos, não apenas os responsáveis pelas decisões ficam ocultos por trás das engrenagens, como o próprio mecanismo ao qual somos submetidos é opaco, uma das características que a autora Cathy O’Neal utiliza para caracterizar uma “Arma de Destruição Matemática” em seu livro Algoritmos de Destruição em Massa. Ao mesmo tempo, para garantir o engajamento, as redes sociais fornecem para cada usuário um conteúdo tão distinto, que são capazes de criar não múltiplas opiniões, mas verdadeiras fissuras nas visões da realidade, evidenciadas por uma dificuldade cada vez maior de resgatar familiares que caem em loops de desinformação.
Aqui a conversa fica mais feia, pois estes modelos provocam consequências que afetam a todos, usuários ou não. A arbitrariedade do ranqueamento de páginas do Google dá origem a uma infinidade de blogs corporativos com textos inócuos produzidos por estagiários mal-informados. Um mar de informações vagas ou errôneas, mas em dia com todos os quesitos necessários para figurar no topo das buscas.
Já as redes sociais privilegiam o engajamento, o que se traduz em conteúdo capaz de provocar fortes emoções, como os discursos de ódio que dominam tanto a superfície quanto o submundo dos grupos de Facebook e os hiper segmentados- e cada vez mais radicalizados - grupos de WhatsApp e Telegram. Sem falar de conteúdos claramente ilegais para os quais as redes fazem vista grossa.
Mesmo algoritmos de aplicações relativamente inocentes como plataformas de streaming são capazes de moldar e uniformizar o conteúdo produzido, graças aos loops de feedback que identificam elementos que geram mais plays e melhores taxas de retenção, mas incapazes de imaginar algo novo, não inserido previamente no sistema.
Informações destas plataformas jamais seriam capazes de indicar o caminho para obras que revolucionaram o cinema, a TV ou a música. Pois por mais que pareçam ser o futuro, por si só um algoritmo é incapaz de criar algo além de uma eterna repetição do passado.
E se tudo isso não parece ruim o suficiente, a seleção de conteúdo sequer é o efeito mais nefasto que a Algoritmização da Vida é capaz de nos proporcionar.
Mas a gente fala mais sobre essa distopia em outra quinta-feira.
Até semana que vem!
Concorda, discorda, acha que só falei besteira? Responde aí e me conta, ou indique para alguém!
Você também me encontra no Twitter e no Instagram
Como em toda conversa, quanto mais gente
mais barulho e caos melhor!
Em todo caso, obrigado pela leitura!
P.S.: Leia as edições anteriores de Lapso Trivial
Caso você tenha chegado até aqui e ainda não é cadastrado, inscreva-se na newsletter!
Concorda, discorda, acha que só falei besteira?
Responde aí e me conta!
Se ainda não é assinante, se cadastra aí!
Como em toda conversa, quanto mais gentemais barulho e caos melhor!
Você também me encontra no Bluesky