Linhas Cruzadas logo

Linhas Cruzadas

Inscrever-se
Arquivo
Fevereiro 13, 2023

A ignorância ao nosso redor.

Você já se sentiu cercado por imbecis?

por Lucas D. M. dos Santos

Começou o Big Brother Brasil desse ano e não importa o que você pense a respeito, é praticamente impossível passar incólume pelas tretas, casais, mocinhos e vilões da edição.

Há quem ame, quem ignore e até quem odeie, mas nenhum personagem é tão presente desde o lançamento do reality show quanto o jovem intelectual que considera o sucesso do programa um retrato da ignorância do país. Inconformado com tantas pessoas em frente à TV para consumir entretenimento vulgar ao invés de ler um livro, ou se entreter com algo, supostamente, mais sofisticado.

Eu já fui esse jovem. A sensação de superioridade intelectual é sedutora. Afinal, há uma massa alienada da qual não somos parte e que deve ser iluminada por nosso conhecimento.

Cena do filme Matrix em que o personagem Neo - Interpretado por Keanu Reeves - consegue parar uma rajada de balas no ar.
Nós, os escolhidos, capazes de escapar da Caverna de Platão.

Legal, mas o que nos dá essa certeza de que somos os inteligentes da história? Afinal, todo conspiracionista anti-vacina ou terraplanista também acredita deter um conhecimento oculto à massa ignorante.

Admiramos a ingenuidade alheia, enquanto deixamos de considerar que essa arrogância pode ser fruto da nossa própria ingenuidade.

Adam Mastroianni1, em The Radical Idea that People Aren’t Stupid, ou “A noção radical de que as pessoas não são burras”, aborda o conceito de Naive Realism, ou em português Realismo Ingênuo. A crença de que somos capazes de enxergar o mundo exatamente como ele é e, portanto, qualquer um que não veja da mesma forma está equivocado. Quando na realidade, todo som, imagem ou sensação captado por nossos sentidos é processado, filtrado e modificado em nosso cérebro, como um grande Photoshop capaz de criar uma versão única da realidade.

Ao mesmo tempo, quanto mais distantes estamos das pessoas - por exemplo através de redes sociais - menos as entendemos enquanto pessoas e mais como apenas fotos e nomes aleatórios, sem histórias de vida ou circunstâncias, apenas um monte de ignorância exposta online e absurdos gritados em vídeos.

Por fim, há o conceito de Erro Fundamental de Atribuição (Correspondence Bias), ou a tendência de associar ações das pessoas à sua personalidade e não às suas circunstâncias. Ao vermos uma pessoas triste ou irritada, assumimos que isso seja um traço de sua personalidade, ao invés de considerar que ela possa estar em um dia ruim, por exemplo.

No fim das contas, o que faz com que a gente se sinta inteligente, em meio a um mundo estúpido são os limites do nosso cérebro, ou nossa própria ignorância.

Tá, mas e os golpistas?

Aí beleza, depois de todos esses argumentos você me pergunta: Se não estamos cercados de imbecis, como eu explicaria as pessoas que, no último dia 8 de janeiro, conseguiram combinar tentativa de golpe de estado, altos índices de vergonha alheia e escatologia.

Foto da golpista "Fátima" de Tubarão/SC vestida com uma blusa regata fom uma imagem da bandeira do Brasil, durante os ataques à Praça dos Três Poderes, a mulher parece gritar algo.
Vai me dizer que essa véia não é burra?!

Em primeiro lugar, é bom retomar a noção de que o mundo não é como o percebemos. O grupo, com gente de todo o país, que invadiu a Praça dos Três Poderes é realmente imenso, mas representa uma fração ínfima da população brasileira. O número de pessoas capazes de chegar às últimas consequências por suas crenças autoritárias é bem menor do que parece.

Em segundo lugar, estas pessoas não estavam lá por ignorância ou falta de formação. Entre eles havia funcionários públicos concursados, oficiais de alta patente, além de pessoas graduadas e pós-graduadas em diversas áreas.

Investimento em educação é essencial, mas nunca será capaz de nos prevenir de vieses e armadilhas ideológicas. Nos EUA, eleitores republicanos com ensino superior tendem a ser mais refratários às evidências das mudanças climáticas do que seus pares com menor grau de escolaridade2.

Talvez você tenha passado incólume pelo surto do bolsonarismo e por isso até sinta um certo orgulho de não aderir a este tipo de ideia. Porém, seja qual for o motivo que nos protegeu disso, ele está mais ligado às nossas circunstâncias – criação familiar, grupos dos quais somos parte, afetos recebidos, entre outros – do que ao nosso QI, formação ou um suposto “senso crítico superior”.

É exatamente esta noção de superioridade intelectual, facilmente transformada em superioridade moral que nos torna presas fáceis a eventuais armadilhas cognitivas.

Ao contrário do que pode parecer, a certeza não é uma conclusão a partir de um raciocínio, mas uma sensação3. Somos plenamente capazes de ter certeza mesmo quando estamos errados.

Não é relativizar os atos dos invasores da Praça dos Três Poderes, que devem ser investigados e posteriormente punidos, mas saber que todos ali tinham tanta certeza de pertencer ao lado correto da história quanto nós.

O que faltava a eles não era inteligência, mas caráter, noção de limites e a capacidade de duvidar das próprias conclusões. A dúvida constante pode ser aliada ou inimiga, mas continua a ser a melhor defesa contra a armadilha autoritária.

Formação e QI elevado não garantem nada, o Roger do Ultraje que o diga.

Como sempre, obrigado pela leitura e até a próxima!

E caso você tenha chegado até aqui e ainda não assinou a newsletter, não deixe de se inscrever!

1
Experimental History
The radical idea that people aren't stupid
If you learn a little psychology, you might come away thinking that people are stupid. After all, one of psychology’s main exports is cognitive biases. There’s the conjunction fallacy, the endowment effect, false consensus, false uniqueness, the curse of knowledge, the availability heuristic, the better-than-average effect, the worse-t…
Read more
2 years ago · 259 likes · 91 comments · Adam Mastroianni
2

Sandel, Michael J. A Tirania do Mérito: O que aconteceu com o Bem Comum?

3

MCRANEY, David. How Minds Change: The Surprising Science of Belief, Opinion, and Persuasion.

Concorda, discorda, acha que só falei besteira?

Responde aí e me conta!

Se ainda não é assinante, se cadastra aí!

Como em toda conversa, quanto mais gente
mais barulho e caos melhor!
Você também me encontra no
Bluesky

Não perca o que vem a seguir. Inscreva-se em Linhas Cruzadas:
Este e-mail chegou a você pelo Buttondown, a maneira mais fácil de lançar e expandir a sua newsletter.