A Civilidade dos outros é o nosso desastre

A Civilidade dos outros é o nosso desastre
Oi, tudo bem?
Se a resposta for sim, você provavelmente não vive em territórios indígenas no Brasil de 2022. Visto que o presidente da câmara dos deputados, Artur Lira, faz de tudo para aprovar em caráter emergencial um projeto de lei para permitir a mineração de potássio em terras indígena da Amazônia. A desculpa é a escassez do minério, utilizado em fertilizantes, causada pela invasão Russa na Ucrânia..
Papo furado, é claro. Dois terços das reservas de potássio do Brasil se concentram nos estados de Sergipe, São Paulo e Minas Gerais e de todo o minério presente na Amazônia, apenas 11% se encontra em território indígena.
Enquanto isso, ainda que indignados com o rumo do país, nós brasileiros seguimos nossa trajetória de vira-latas eurocêntricos que olham para o velho mundo, além da Austrália e da América do Norte como se víssemos aquele primo bem-sucedido que mal lembra família, mas é sempre assunto nos cafés da tarde.
Você, pessoa desconstruída, deve ter se lembrado do tio meio conservador, que enche a boca para falar de uma suposta “cultura superior” da Europa ou justifica qualquer escolha política com “nos Estados Unidos é assim”.
Então, se enganou, filhão.
Eu tô falando é da gente mesmo. Esse pessoal meio progressista, meio de esquerda, mas invariavelmente colonizado. Sofremos para esconder nossa admiração pela fabulosa experiência dos países nórdicos, ou do estado de bem-estar social canadense. Estes verdadeiros oásis de justiça social, direitos reprodutivos e respeito às minorias em meio a um mundo cada vez mais reacionário.
A gente até perdoa o blackface do Justin Trudeau, né? Agora ele é um cara mudado e usa meias bem-humoradas. Também jamais associamos os países nórdicos à "grosseria" do leste europeu, mesmo que sejam tão interessados em receber refugiados da Síria e da África quanto Polônia e Hungria.
O maior benefício de ser o primo bem sucedido da família é nunca levar a culpa por suas cagadas e poder jogar o preço dessa sua civilidade na conta daquele primo mais novo que vive de freelas e tá sempre fodido de grana. Nós, no caso.
O governo da virtuosa Noruega, por exemplo, já criticou publicamente o desmatamento da Amazônia brasileira, enquanto é o maior acionista (34,3%) da Hydro Alunorte, acusada de despejar água contaminada no Rio Pará e que até hoje não pagou multas estipuladas pelo Ibama em 17 milhões de reais. Ao investigar as irregularidades na operação o promotor Laércio de Abreu observou: "Parece que a empresa não age assim na Noruega." Imagino que não.
Aliás lembra do projeto de lei com que eu comecei essa newsletter? Pois é, a maior beneficiária do PL para liberar mineração em território indígena é a Potássio do Brasil, empresa acusada pelo Ministério Público Federal de cooptar indígenas para explorar potássio e pertencente a um banco, quem diria, Canadense.
Por fim, não dá para esquecer do rompimento da barragem de fundão, em Mariana/MG, que causou 19 mortes e despejou 39 milhões de metros cúbicos de rejeitos na bacia do Rio Doce, tornando-se assim o desastre com maior impacto ambiental da história do Brasil. A Samarco, empresa responsável pela barragem, tem como principais acionistas a Vale, antiga Vale do Rio Doce, privatizada nos anos 90 e a BHP Biliton, mineradora e petrolífera anglo-australiana.
Obviamente não dá para culpar a população dessas nações por práticas danosas promovidas por bilionários donos de multinacionais. Ainda assim, desastres como esses sequer respingam na imagem internacional do país de origem das empresas, mesmo quando o próprio governo é seu principal acionista. Enquanto nas reuniões da ONU essas nações pressionam o Brasil para que mude sua postura ambiental, aqui dentro elas enchem o bolso do centrão e patrocinam o lobby da mineração no congresso.
Nada disso exime de culpa, ou justifica os atos de um governo brasileiro que age não apenas com descaso, mas verdadeiro sadismo em relação ao pouco que resta de nossos principais biomas e dos povos originais do Brasil, até porque toda essa operação estrangeira irregular só é possível com a cumplicidade de um governo empenhado em destruir qualquer estrutura de proteção ambiental existente no país.
Mas também com a anuência dos progressistas (nós) que observam admirados a civilidade de nações ricas, várias delas enriquecidas através de imperialismo e exploração dos povos do hemisfério sul.
Não é de estranhar, afinal aquele primo bem-sucedido é geralmente o que mais sonega seus impostos.
Até semana que vem!
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