A casa sempre ganha

A casa Sempre Ganha
Por Lucas D. M. dos Santos
Quem viveu a infância ou juventude entre os anos 80 e 90 deve ter alguma familiaridade com o ambiente insalubre dos fliperamas. Locais de péssima iluminação e com a atmosfera densa, formada pela mistura de fumaça de cigarro e comida gordurosa, somadas aos bipes incessantes das máquinas de jogos acessíveis mediante a inserção de fichas compradas no local. Há os saudosistas que exaltam o quanto os videogames daquela época eram desafiadores, embora fossem apenas jogos com pouco conteúdo, cujo principal objetivo era engolir o máximo de fichas no menor espaço de tempo.
Consistiam em um início, ou primeira fase, relativamente fácil o suficiente para encorajar o jogador, e de estágios seguintes muito mais difíceis, para garantir que até mesmo os melhores jogadores perdessem ou, apenas após gastar muitas fichas, conquistassem o direito de... começar de novo. Desde que pagassem novamente, é claro.
Foi assim que a minha geração aprendeu que pouco importam o talento e a habilidade do jogador, o único vencedor é sempre o próprio fliperama.
Ou ao menos deveria ter aprendido.
Destes estabelecimentos restam apenas as lembranças idealizadas de locais em que jamais permitiríamos a circulação de nossos filhos. Videogames se tornaram uma atividade cada vez mais doméstica e solitária, assim como as novas formas encontradas por jovens e adultos afoitos para apostar suas fichas, ou seu dinheiro.
Qualquer um que tenha sido exposto a publicidade nos últimos anos já se acostumou a ver anúncios de apostas esportivas, é bet isso, bet aquilo, negócios que operam nos limites da legalidade, mas ganham cada vez mais adeptos.
Em condições ideais de temperatura e pressão, aposta esportiva serve apenas para entretenimento e como uma eficiente forma de lavar dinheiro do crime organizado, mas em um país empobrecido, e com boa parte da população sem perspectiva de prosperar, assumem a tentadora forma de uma oportunidade de melhorar sua renda.
Não precisa gastar mais do que três minutos no youtube para encontrar inúmeras videoaulas com fórmulas para multiplicar seus rendimentos em apostas, nunca perder dinheiro com jogo, entre outras lições de gente que provavelmente ganha mais dinheiro com vídeos do que ao apostar.
A história não é nova, vez ou outra surgem supostas formas de conseguir dinheiro rápido capazes de seduzir oportunistas e desesperados, são esquemas de pirâmide, investimentos supostamente milagrosos, além de tentativas de golpe puro e simples. Os exemplos se sucedem, em ciclos acelerados de ascensão e queda.
Já foram populares os day traders, que surgiram com o crescimento das corretoras digitais, como indivíduos que se aventuravam na bolsa de valores, mas que logo desapareceram após resultados, em média, muito ruins. Mais recentemente virou febre a compra de criptoativos, também com perdas monumentais e, de forma mais amadora, as já citadas apostas esportivas.
Todos estes fenômenos têm algo em comum: Muito prejuízo para a imensa maioria de perdedores e alguns poucos ganhadores entre gurus de finanças – que lucram mais com cursos do que ao investir - e os grandes bancos e investidores, que possuem capital e influência suficiente para modificar a direção do mercado conforme for necessário.
A economia não é, necessariamente, um jogo de soma zero, porém, o crescimento equilibrado e sustentável só vale a pena a longo prazo. Problema nenhum para quem produz, trabalha ou investe em empresas reais. Mas para o grupo sedento por lucro rápido, jogar com a volatilidade é muito mais atraente, mesmo que às custas de muitos perdedores.
Pode até parecer uma aposta igualitária, em que o risco é dividido por todos. Mas esse jogo é de cartas marcadas. Grandes bancos e corretoras não podem quebrar sem levar a economia de um país junto. Um exemplo disso é o resultado da crise de 2008. Enquanto muitos perderam tudo, a ponto de darem fim às próprias vidas, os bancos e agências de risco responsáveis pela crise foram socorridos pelo governo e seus executivos receberam no fim do ano o mesmo bônus milionário de sempre, tudo registrado no excelente documentário Trabalho Interno (Inside Job) de 2010.
A expectativa de ganhos rápidos e, melhor ainda, muito altos, faz brilhar os olhos de muita gente. Seja para apostar no mercado financeiro, em criptoativos ou mesmo em jogos de azar. Nestas horas talvez seja melhor voltar ao fliperama, gastar umas fichas e perceber que você pode até arriscar e quem sabe tenha um lucro aqui ou ali. Mas no fim das contas, não importa a aposta, a casa sempre ganha.
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