Um bilionário é um miserável
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1. Quanto mais realizada uma pessoa, quanto mais sábia, menos ela se move, mais ela se recolhe. Mesmo a santa ou o monge andarilhos não exploram o espaço que percorrem, apenas perambulam e se deixam atravessar pelo mundo que contemplam. Do contrário, a ignorância se impõe no alastrar radical de um desejo, uma ideia, um projeto. O drástico empobrecimento interior pode vir às custas de uma febre expansionista por território; narcisismo agudo e más conciliações da psique desenvolvem a fome por domínio de espaço; o que não conquistamos, apaziguadoramente, nas guerras e abismos das próprias consciências, buscamos no domínio exterior, da matéria, furiosamente. O que não encontramos aqui, cravamos as unhas ali: padecem da mesma doença imperialista Alexandre, Gengis Khan, Igreja Católica, Napoleão, Hitler, Elon Musk e Jeff Bezos. Paradoxo ontológico, é a universal medida do contentamento: quem com pouco se contenta revela sua riqueza; quem só pode se contentar com muito expõe sua miséria.
2. Repulsivo ao passado, fanático pelo futuro, o bilionário, tecnoimperador, colonizador do espaço, vive o aberrante descompasso com o devir. Para ele, todo passado é ignorância e limitação, todo ontem é estágio primitivo; e o presente é apenas instrumento para agilizar as glórias do amanhã, pretenso éden tecnocientífico. Perturbado até os ossos, seu imaginário, insaciável, cabe apenas sua megalomania, que se prolifera na velocidade das máquinas e resvala os confins da galáxia. Gigantista inveterado, seu maior inimigo, aquilo que mais o aterroriza, é toda existência de natureza frágil e frugal: a impermanência, o pequeno, a simplicidade, a moderação, a humildade, são princípios que devem ser aniquilados. Dementes a golpear, com a carne branca das próprias mãos, a substância infalível do universo; ignorantes na busca incessante para reprogramar o irreprogramável, a desfazer o inexorável.
3. A partir das suas influências e visão de mundo vindas do Oriente (hinduísmo, budismo), Steve Jobs, no fim, ao invés de nos ensinar a meditar e a expandir nossas consciências, nos condicionou à dependência de querer trocar de celular uma vez ao ano; um celular que, no Brasil, pode custar o valor de um automóvel, ou o equivalente a oito meses de salário de um trabalhador subempregado.
4. Viagens psicodélicas aos bilionários, sim, para que possam ver as coisas como são, enxergar o estado atual da realidade. Mark Zuckerberg em bad trip de LSD, num vagão apinhado, na estação Sé, sentido zona leste, às 18h.
5. Dois mil anos de cristianismo feroz para desemborcarmos no alarde da inteligência artificial: o absurdo de fundar uma civilização na base da cruz, do sangue, do martírio e da misericórdia e encerrá-la através de computadores e cabos, cálculos matemáticos e torrente de informações; um povo nas mãos de Cristo para uma humanidade nas garras de Elon Musk.
A farfalhada niusleter é o meio mais livre e satisfatório por onde espalho, na internet, meus escritos fragmentários de muitos temas e tons: dos arranhões filosóficos e políticos baseados, quase sempre, no debate sobre civilização e ecologia, aos meus haicais, haibuns e zuihitsus da vida cotidiana. Alguns dos textos que compartilho aqui estão presentes no meu último livro, um miscelânea fragmentária chamada Retalhos. Atrair inscritos é sempre uma alegria, mas dá trabalho. Se você acompanha e aprecia esta niusleter, e conhece gente que também faria o mesmo, compartilhe, indique.
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Abraços e até a farfalhada #77,
Felipe Moreno
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