Tudo implora para ser visto
§ Um rosto velho, marcado. Um rosto cavo, endurecido. Um rosto bruto, saturniano: as tristes fendas da sua tez ocultam a força das suas luzes. É um rosto belo.
§ Este garapuvu enorme e frondoso, firme e sereno, imperturbável, magnífico: quase somos sua antítese, e ainda marchamos para o extremo oposto da sua realidade. Escabrosos, perturbados, somos uma árvore invertida, espécie extraviada dessa fácil quietação que até a formiga goza.
§ Abafar todos os problemas mundanos, silenciar todas as picuinhas e, na janela do ônibus, por alguns instantes, fazer a vez da criança, do mendigo ou do sábio: abandonar os olhos na tarde de outono.
§ A mente não irrompe, logo não se aparta: abre-se, vê. Todas as coisas — uma camiseta, um toco de madeira, uma garrafa, um pé —, todas as coisas têm graça.
§ A mente tomada de presença, fincada no presente: como pode algo tão simples ser a manifestação mais genuína da consciência?
§ Tarde de domingo: tudo implora para ser visto. Então vejo. Até perceber que o que vejo também me vê. Nos vemos. Até que não haja quem a ver o quê.
§ Venha o que vier, de bom ou de ruim, que me leve pouco ou quase tudo — só não me desgarro da beleza. Perco tudo, menos o dom de ver beleza. Onde há beleza, nem deus me importa. Aqui está o meu deus.
fui ver o mar
tão sonoro, frio, azul —
perdi o ônibus
A farfalhada niusleter é o meio mais livre e satisfatório por onde espalho, na internet, meus escritos fragmentários de muitos temas e tons: dos arranhões filosóficos e políticos baseados, quase sempre, no debate sobre civilização e ecologia, aos meus haicais, haibuns e zuihitsus da vida cotidiana. Alguns dos textos que compartilho aqui estão presentes no meu último livro, um miscelânea fragmentária chamada Retalhos. Atrair inscritos é sempre uma alegria, mas dá trabalho. Se você acompanha e aprecia esta niusleter, e conhece gente que também faria o mesmo, compartilhe, indique.
Abraços e até a farfalhada #79,
Felipe Moreno
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