Tédio e ansiedade na cultura neoliberal
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1. A ansiedade corroeu o tédio. Mas o tédio, tão presente e familiar até poucas décadas atrás, é preferível à ansiedade que, hoje, se agiganta e nos assombra. Vizinha do ócio, gatilho de mil e um clarões criativos — ou, ao menos, não inimiga do sossego, como é a ansiedade —, a sensação de aborrecimento por não ter nada a fazer se tornou o privilégio de uns poucos velhos interioranos que não foram vitimados pela obrigação de ter um celular.
2. Quer prova mais cabal sobre o desaparecimento do tédio? O adolescente pergunta ao professor de filosofia o que é o tédio, o que é sentir tédio. O mesmo adolescente que, minutos antes, havia dito que não tem capacidade de ler uma página inteira sem dispersar a atenção e que, todo dia, sente o coração bater mais acelerado.
3. Ansiedade: grave descompasso entre anseio e tempo, precipitação da vontade que agride o tempo, ou que mira, eufórico, no alvo do tempo, mas só acerta o próprio corpo. Tédio: morosidade da vontade, por falta de opção distrativa, afundada num tempo largo, que passa a conta-gotas. Ansiedade: sensação limítrofe que nos faz lembrar do tédio como uma felicidade perdida. Tédio: sensação vintage.
4. A enxurrada de informação e o enxame de estímulos defasam não apenas a concentração, mas a própria clareza. O excesso de luz escurece os sentidos e o escuro da noite, em contrapartida, clarifica nossas percepções. A baixa atividade neuronal estimula a ação, enquanto que o frenesi cerebral prostra e deprime. A torrente de conteúdos digitais tende a superaquecer nossos sentidos e, assim, experimentamos a constante sensação de torpor; nos casos mais graves, implodimos ou paralisamos — e a gravidade, a cada dia, tem se tornado a regra.
5. Nossos sentidos, entupidos com a luz e o ruído de dados e informações, respiram pesado, sem fôlego; ofegantes, não podem fluir para além do próprio corpo, não podem se abrir nem se liberar para nada. Mas se esvaziássemos nossos sentidos, em trinta por cento, do assédio dos estímulos saturantes dos nossos dias, talvez intuíssemos a saída de boa parte das nossas aflições pessoais e coletivas. O excesso do consumo de estímulos e signos reverte a operação: já são eles que nos consomem. Consumidos, mais e mais, seremos consumados: escravos dos códigos virtuais, nossos corpos serão a mão de obra barata do seu complexo funcionamento.
6. Meu ideal de automação do trabalho? Jamais o que promete (sem saber como cumprir), a condição da total liberdade do humano frente à completa atribuição do trabalho às máquinas — esse mito deformado do paraíso ocioso, estupidez de achar possível remontar um Éden. O ideal seria nos livrarmos do trabalho digital massivo, intangível e sedentário. Dar às máquinas o que é das máquinas e, a nós, devolver o uso das mãos: um labor elaborado, sem extenuação, mas que nos recoloque à serviço das demandas manuais — esse reencanto pelo ofício físico, que faria de nós todos, em grau refinado, artistas e artesãos.
A farfalhada niusleter é o meio mais livre e satisfatório por onde espalho, na internet, meus escritos fragmentários de muitos temas e tons: dos arranhões filosóficos e políticos baseados, quase sempre, no debate sobre civilização e ecologia, aos meus haicais, haibuns e zuihitsus da vida cotidiana. Alguns dos textos que compartilho aqui estão presentes no meu último livro, um miscelânea fragmentária chamada Retalhos. Atrair inscritos é sempre uma alegria, mas dá trabalho. Se você acompanha e aprecia esta niusleter, e conhece gente que também faria o mesmo, compartilhe, indique.
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Abraços e até a farfalhada #86,
Felipe Moreno
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