1. O caixa do supermercado, jovem forte, saudável, é um evangélico fervoroso. Agradece a deus pelo emprego que tem, não se importa em trabalhar um pouco mais quando o chefe solicita. Não tem consciência de que está sendo explorado.
2. As pessoas ricas e milionárias têm exagerado na estética dental. Todos esses sorrisos ultraclareados, quase fluorescentes, tão alinhados que parecem ter saído de uma fábrica, já não causam boa impressão, mas espanto.
3. Embora eu não fume, o cheiro do cigarro das pessoas desconhecidas que cruzo na rua me provoca um estranho e fugaz prazer.
4. O casal conservador, burguês, cria o filho para seguir a linha de sucessão: profissional de sucesso, homem rico, multiplicador e concentrador de riquezas, conservador, burguês. Torna-se um hippie viajante, usuário de drogas, que não concluiu ensino superior, nem nunca assinou a carteira de trabalho. O casal jovem, progressista, cria a filha para ser uma mulher com consciência de classe, socialmente engajada, lutar por um país mais justo, digno e livre. Torna-se influenciadora digital de beleza, especialista em tutoriais de maquiagem, rica, consumista, esnobe.
5. Quando lavo louça naquelas pias de plástico, minúsculas, sem profundidade, ralinho equivalente ao de uma pia de lavabo, esbravejo, internamente, as mãos cobertas de sabão: a pessoa que desenhou esta pia, uma designer de objetos, ou sei lá o quê, sempre teve alguém para lavar sua louça; essa pessoa não sabe o que é lavar louça. Daí entope e enche, de água, sabão e gordura, por qualquer coisa, uma migalha de pão, e reforço: a pessoa que concebeu esta pia, uma designer de objetos ou sei lá o quê, deveria ter sua licença de trabalho cassada.
6. O perfume adocicado das mulheres de meia-idade logo quando descem do ônibus, dão os primeiros passos na calçada, a porta se fecha e o ônibus parte: um perfume nostálgico, que lembra a minha mãe, dia de semana, final de tarde, fim de expediente; que me lembra São Paulo e me lembra o Brasil. Também os barulhos do motor, dos freios e das portas automáticas do ônibus; o som dos sapatos de salto baixo das mulheres de meia-idade: lembranças da minha mãe, dia de semana, final de tarde, fim de expediente, São Paulo, Brasil. Minha nostalgia é tão ampla que contempla, inclusive, as coisas do presente.
7. A tristeza nos detalhes; a tristeza que não é tragédia. Tristeza paisagística e mundana: um restaurante charmoso, sexta-feira à noite, sem nenhum cliente. As mesas dispostas, decoradas, arranjos de talheres e guardanapos. E o ambiente sem uma viva alma.
Atrair inscritos em niusleter é trabalho de garimpo, manual e orgânico. Se você acompanha e aprecia esta niusleter, e conhece gente que também faria o mesmo, compartilhe, indique. Embora inicial, a experiência desses envios por e-mail tem sido uma das atividades de criação e interação mais empolgantes e alegres que já tive na internet.
Abraços e até a farfalhada #21,
Felipe Moreno
