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Em 29 de agosto de 2018 eu chegava em Florianópolis, para daqui não sair mais, ainda que a ideia inicial — a ingênua ideia — fosse pousar por apenas seis meses. Cheguei e sofri rigoroso teste: enfrentar um regime de quinze dias de chuva torrencial e ininterrupta, espécie de cosplay de monção de verão da Indonésia. E eu, gelado e úmido, sem conseguir sair de casa, assistia ao lamaçal se formar na frente de casa. Até que o tempo abriu, eu fui à rua, à praia, à lagoinha, conheci gente, conheci Marília, e comecei a ser feliz.
Florianópolis é uma cidade com área relativamente grande, adensamento populacional saudável: são pouco mais de 500 mil habitantes espalhados em 675,4 km². Para quem também já morou em Santos, uma brutal diferença, sentida na carne: com área quase três vezes menor e praticamente a mesma população da capital catarinense, Santos é uma panela de pressão. E também já ouvi diferentes versões cariocas de que a Ilha lembra o Rio de Janeiro dos anos 50.
Das mil e uma maravilhas desta cidade, míseros quatro fatores jogam contra (o último, mero capricho de um paulistano insuportável):
1. A fulminante onda de privatização da cidade e todas as suas consequências nefastas sobre habitação, acesso, preservação ambiental e afins.
2. Alto custo de vida, se comparado a algumas outras capitais do sul/sudeste, como Belo Horizonte e, até mesmo, Curitiba. Efeitos de uma Ilha paradisíaca assentada no turismo.
3. O transporte público, que opera feito máfia, mas se intitula consórcio: acordão das principais empresas privadas de transporte da região que juntaram forças para levantar um monopólio que muito cobra da população (atualmente, R$ 4,50), para entregar péssimos serviços (itinerários ruins, tecnologia de bilhetes defasada etc.).
4. A escassez de boas padarias. Parece que a cultura da boa padaria, aqui, nunca vingou. Brota a questão: Açores não mantêm a tradição das padarias portuguesas? Caso mantenham, por que os descendentes daqui não estenderam a tradição? Faltam padarias antigas, amplas, movimentadas, barulhentas, perfumadas. Em compensação, chovem pequenas padarias (misto de padaria com casa de suco e açaí), estruturadas em madeira MDF, pouca adesão, três ou quatro rissoles esturricados na bandeja, uma funcionária entediada. No crivo do paulistano insuportável, a maioria das padarias de Florianópolis ganha rótulo pejorativo: são padarias de MDF, que cheiram não a pão no forno, mas a madeira MDF.
No mais, o manezinho e a manezinha são pessoas dóceis, brincalhonas. A neurose das metrópoles (ainda) não afeta os nativos daqui. Abundam a vida plena, o clima agradável, as paisagens magníficas, os melhores amigos. Meu limite, fora de Florianópolis, é de três semanas. Quando viajo, sobretudo para São Paulo, e retorno, ao pisar e respirar a primeira lufada de ar, mesmo que na rodoviária, já tenho a sensação de um delicioso acolhimento. E desta terra não quero sair nunca mais.
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Abraços e até a farfalhada #27,
Felipe Moreno
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