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1. Um bar e restaurante, às três da tarde, sem clientes, escuro. Coxinhas, miniquibes e bolinhas de queijo, frios e esturricados, no recipiente de alumínio do bifê. Uma televisão de tubo, vinte polegadas, no volume 78, transmite novela reprisada da Globo. O homem, com os antebraços peludos sobre o balcão úmido, palita os dentes e diz para a mulher que está no caixa, chupando balinha de canela, entediada: “E vai esfriar ainda mais”. Ela responde com um resmungo. E o diálogo da mocinha e do mocinho, protagonistas da novela, volta a ser a única voz do ambiente.
2. O neto, três aninhos, no colo da avó, dormindo. Estão no ônibus, chegando no terminal onde vão desembarcar. Nove e quarenta da noite, temperatura de dez graus. A avó desce a escadinha do ônibus com esforço, joelhos frios e duros, rangendo, pontadas de dor, mas firme, atenta, apesar do cansaço e do sono. Ar livre, gélido, o neto se encolhe no colo da avó. Ela o põe no chão e, veloz, saca a mochila das costas, arranca uma touca de dentro, veste a cabeça do menino, as mãos puxando o tecido para cobrir as orelhas. Ele não fala nada: suspira e sorri. E volta para o colo da avó.
3. Homem estirado na calçada mais movimentada do centro da cidade, às duas da tarde. Nuca encostada no cimento frio e sujo, olhos pregados no céu nublado, muitas nuvens em movimento. Absolutamente alheio ao fuzuê humano, mesmo que o ruído dos passos e a tração dos pneus estejam no mesmo plano que seus ouvidos. Saquinho de papel branco, com pipoca doce, na mão esquerda; e a direita pinça três pipocas, transporta até a boca. Mastiga, não tira os olhos do céu, não pisca. Duas lágrimas, uma para cada olho, deslizam ao mesmo tempo.
4. Caminhão de empresa de paisagismo estacionado em frente a um prédio de luxo, centro da cidade, às 13h05. Um dos trabalhadores, que saiu para almoçar ao meio-dia em ponto e, em teoria, retornou às 13h, está escorado atrás do caminhão, na sombra. Meticuloso, ligeiro, atento, uma manga e uma faquinha de serra nas mãos. Descasca a fruta, corta pedaços carnudos, espeta um, leva a boca. As mãos lambuzadas, a boca amarela, o corpo protegido, apenas por mais dois minutos, do sol agressivo. Alegria suculenta. O corpo em prazer.
5. Homem adulto, sozinho, as duas mãos cobrindo o rosto. Chora, soluça. Balança a cabeça, não tira as mãos espalmadas da face. E chora, soluça. A música Cajuína, de Caetano Veloso, está tocando.
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Abraços e até a farfalhada #8,
Felipe Moreno