O clarão das frestas
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1. Amizades mais próximas já sabem (tenho aporrinhado pelo Instagram); mas peço licença para frisar e refazer o convite. Sai pela Círculo de Poemas, coleção da Fósforo Editora, a plaquete (pequeno livro) O clarão das frestas. Foi entregue aos assinantes do clube ainda em dezembro passado e, início de janeiro, chegou nas livrarias. Agora é momento do primeiro lançamento presencial, que me deixa inquieto, não mais que feliz. No próximo dia 14, sexta-feira, com este Brasil já balbuciante pelo carnaval, convido às amizades para uma noite de autógrafos, drinques, falatório, risadas e afins. O destino é o charmosíssimo Ponto. Bar & Piadina, centro de Florianópolis, a partir das 19h.
2. O clarão das frestas é, digamos, minha publicação de maior envergadura até hoje — ainda que tenha apenas 40 páginas. Mas falo sobre alcance, sobre ser publicado por uma grande editora, ter o texto revisado, analisado, acurado por excelentes leitores, escritores, poetas; ter um projeto gráfico refinado, uma distribuição a nível nacional; de ter toda a assistência de gente de mídia e de marketing. Enfim, a Fósforo é uma editora profissionalíssima e agradeço, em especial, ao Tarso de Melo, editor do Círculo. Foi em razão dessas farfalhadas, as quais acompanha desde 2022, que Tarso apostou na nossa parceria.
3. Também é Tarso quem diz sobre os textos da plaquete, escritos ao longo dos últimos três anos — parte deles, inclusive, disparados como niusleter: “Nas páginas do ensaio O clarão das frestas, o poeta, ensaísta e editor Felipe Moreno sai à rua para caçar haicais (“sutilíssimo espanto diante de todo e qualquer fenômeno — com preferência aos diminutos e corriqueiros”) e encontra um mundo em que, soterrada pela brutalidade de uma forma de vida que espalha destruição, a poesia vibra nas coisas mais banais e ensina a ver tudo ao nosso redor com uma nova sensibilidade (…) Enquanto caminha ou pedala, Felipe Moreno consegue fazer sua trilha se encontrar com a dos grandes haicaístas, sempre conscientes de que, ao desejarmos transformar a vida em poesia, dois caminhos se misturam diante de nós: aquilo que vivemos quer se tornar poema, mas também o que sonhamos quer se concretizar na vida”.
4. Em dez textos curtos, ensaísticos e fragmentados, falo do meu mundinho, do pequeno que me cerca, do poético que é grande aos meus olhos: escrevo haicais, escrevo sobre haicais, traço uma relação entre o samba e o haicai, de uma vida desperta através do ordinário, sobre apreciar paçoca, andar de bicicleta, sobre o valorização de exercícios de dureza, sobre os aterramentos possíveis, singelos e relampejantes, em meio aos destroços do nosso tempo. Escrevo, enfim, de forma fragmentária, pois esta se tornou, há alguns anos, minha exclusiva forma de expressão literária, minha rigorosa escolha estética: só escrevo haicais e textos fragmentados.
5. Há razões para o fragmento ser, nos meus textos, a aparição dominante, obsessiva. É, afinal, minha pesquisa de mestrado em literatura: o fragmento literário enquanto reflexo de uma experiência de clarão, de lampejo, uma experiência fragmentária e luminescente por si, como no haicai. Assombro, clarão, fragmento: a experiência imediata e a escrita em pedaços. Em O clarão das frestas, tal experiência e estilo são colocados à prova.
6. Pois, no fim e no fundo, às claras, o quero dizer é que só encontro a verdade, alguma verdade, nos fragmentos deste mundo. Tudo que é pedaço, resto, chispa, fratura e fresta incide sobre mim com tamanho maior que sua aparência, como uma luz maior, e com uma estranha força de sentido que sua forma diminuta, desimportante, não demonstra à vista grossa. No poste ou no pardal, no pedrisco ou na réstia de sol do outono clareando a grama, o inseto ou a velhinha que atravessa a rua, a angustia se cala: tudo está dito, tudo está posto. Fiz dessa força, que tanto me transfigura, em ritual de sentidos e detalhes, minúcias e vislumbres: é um exercício diário, disciplinado; e um pacto estético de fidelidade: em poesia, repito, só escrevo haicais.
7. Além do mais, o óbvio: sou sujeito do tempo em que vivo e de onde vim: a era do estilhaço, neste sul do mundo há tantos séculos saqueado, depredado. O escombro não é lamúria; não vejo apenas escombros: vejo um mundo de constelação de partículas interligadas. A plena atenção, a diluição dos sentidos numa única partícula é, paradoxalmente, a experiência total. Quanto mais a ciência expande suas lentes ao superior imensurável, mais volto meus olhos ao inferior minúsculo, e digo ao amigo mais próximo: “Agacha e vê, as chispas da terra clamam pelo nosso olhar”. O mundo minúsculo, ordinário, é bom de se ver. Há um clarão nas frestas do banal cotidiano. E cada canto do mundo é o coração da coisa.
8. Assim, me ilumino através das minhas frases e dos meus haicais — porque, via de mão dupla, minhas frases e meus haicais vêm de uma luz, sim, uma luz que vem do chão. À luz dos fragmentos, me ilumino pelas frestas. A luz na planta dos pés e o clarão nas frestas. A chispa na calçada, o satori no meio-fio. O estalo na hora qualquer, a fagulha no lugar comum.
A farfalhada niusleter é o meio mais livre e satisfatório por onde espalho, na internet, meus escritos fragmentários de muitos temas e tons: dos arranhões filosóficos e políticos baseados, quase sempre, no debate sobre civilização e ecologia, aos meus haicais, haibuns e zuihitsus da vida cotidiana. Alguns dos textos que compartilho aqui estão presentes no meu último livro, um miscelânea fragmentária chamada O clarão das frestas. Atrair inscritos é sempre uma alegria, mas dá trabalho. Se você acompanha e aprecia esta niusleter, e conhece gente que também faria o mesmo, compartilhe, indique.
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Abraços e até a farfalhada #93,
Felipe Moreno
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