Instagram: máquina de moer escritories e a niusleter como caminho

Primeiro texto desta niusleter que dei o nome de farfalhada. Por ser o primeiro, um pouco nervoso, como se estivesse falando em público. Início estranho. Começar é difícil. Do meio para o fim do texto é sempre mais fluido. Frases quebradas neste início. Estranhamento. Talvez porque haja tempo e espaço. Há pouco tempo e espaço no Instagram. Lá, o trabalho é de açougueiro: horários específicos em que a “clientela” está presente; um texto de 300 palavras que não cabe na legenda e sou obrigado a cortar, retalhar, suprimir.
Instagram: máquina de moer quem escreve
No Instagram, apostei muito nos textos inseridos em peças gráficas, publicados em carrossel. Experimentei, rapidamente, formatos híbridos que fundiam texto, voz e imagem numa única publicação. Logo descobri que não compensa, é exaustivo, o trabalho é redobrado: tempo e suor no processo de escrita (momento maravilhoso); mais tempo, muito tempo, e fritação no processo de criação de artes digitais. Ter que escrever e, em mesmo nível, ainda ser designer.
Ao término, ter a sensação de que todo esse esforço é fruto da necessidade de espremer, picotar, retorcer, fazer mágica com a produção textual e literária para, aí sim, se adequar aos padrões e poder competir segundo a lógica das redes sociais — hoje, grande campo de batalha de tempo e atenção, campo estreito e alucinante, enviesado e, não raro, unilateral, cujo árbitro é um algoritmo oculto e enigmático que opera alheio à compreensão da população leiga em programação.
Meu desejo é escrever e publicar de forma simples, dar enfoque ao texto e, em algumas ocasiões, quem sabe, explorar as artes digitais (fotografias, ilustrações, desenhos) em confluência com a palavra. Sobretudo, conseguir driblar a curadoria massificada, falha e escusa dos algoritmos. Ou seja, o contrário da minha experiência como escritor no Instagram. Desde 2016, tenho a experiência da publicação simples e acessível no Medium — rede social voltada, exclusivamente, à produção textual —, e lá formei bom público. Mas também o Medium tem seus problemas e limitações. Já tive felicidades no Facebook. Mas esta rede, em franca decadência, repeliu quase todo público que me lê.
Portanto, vou dedicar este espaço à produção literária que, embora quase sempre enxuta, é cada vez menos bem-vinda nas principais redes sociais. (Como será, daqui para frente, ser um escritor, uma poeta etc., no TikTok, ó deus?).
Tendências, algoritmos, linhas de fuga
Sinto que o fenômeno de migração de redes sociais (enquanto uma caduca e perde público, alguma outra ascende e seduz) é sempre protagonizado por gente de um perfil social bem definido: jovem+classe média+hipster+profissional em alguma área da tecnologia+vanguardista na criação de conteúdo. Este foi o perfil a primeiro abandonar o Facebook e, assim, influenciar outras camadas, fazendo com que o processo de debandada dessa rede continue ativo e, hoje, tenha se tornado o espaço digital cujo público fiel são nossos pais e mães, primos e primas mais velhos, às vezes avós e avôs, com certeza nossos tios e tias.
O processo de migração das redes pode ter reflexo positivo, contanto que não fique preso a tendências e modismos — vulgo coerção publicitária sofisticada das grandes companhias — (o mais comum até agora); mas seja iniciativa consciente e crítica, engajada e orientada a não mais participar, ou participar cada vez menos, do jogo político das novas ditaduras digitais; iniciativa disposta a boicotar, sempre ou quando possível, o paradigma de opressão que, dominando e manipulando nossos dados, aprende, em velocidade fulminante e cada vez mais refinada, a também manipular nossos desejos e emoções.
O melhor está no começo
Eis o e-mail, por fim: pioneiro, velho, cascudo, indestrutível. Que me permita a metáfora ruim: espécie de carrinho popular, anos noventa ou início dos dois mil, barato e fácil de manter, simples de reparar, pouca dor de cabeça etc.
Descobrir que o e-mail pode ser a ferramenta mais pertinente e hábil para o que busco foi um espanto quase tosco, um estalo numa mente mal acostumada, adestrada ao uso comum e coercitivo do universo digital. Por isso inicio essa experiência simples, baseado na percepção de que uma niusleter tem bastante potencial como ferramenta de publicação literária, num processo de interação saudável e satisfatório.
Depois de tanto, apesar de tudo, minha aposta nas possibilidades do e-mail, da niusleter, é grande: ferramenta pioneira da internet, insuperável e insubstituível, ancestral da comunicação digital, o e-mail se apresenta como ferramenta de contraponto e resistência à voracidade e fugacidade das redes sociais monopolizantes (hoje, Instagram e TikTok).
Repito para não esquecermos: quem escreve conhece o martírio, a sensação de clausura e sufoco que é compartilhar textos em mídias que se lixam para o texto, pois privilegiam a imagem e, agora, em nova estratégia, vídeos cada vez mais curtos, snaps relâmpagos, ruidosos e saturantes, um atrás do outro, um em cima do outro, aos montes — causas diretas dos nossos olhos ardentes e atenções atomizadas. O texto, como mídia, tem natureza muito distinta: demanda atenção e fluidez, prepara um ambiente calmo e intimista, instiga o silêncio e a autonomia.
No enxame de imagens e vídeos (saturação e ruído) do mundo digital, o texto reage. Na profusão das redes que empilham snaps, a literatura escapa. O e-mail é sólido, não dispersivo, não neurótico. A internet, no geral, tornou-se aquilo que jamais devia ser: manipulação algorítmica em prol do capital. O e-mail, em partes, resiste.
O que escrevo, como escrevo
Não tenho pautas fixas, temas exclusivos. Tenho escopo e inclinações, perspectivas, interesses, abordagens. São dois, acredito, nossos maiores problemas da vida coletiva: o desenvolvimento tecnológico exponencial, de caráter transumanista, e a sexta grande extinção em massa, de feição apocalíptica. São muitas as possibilidades de superação. Ainda contribuo com pouco, no micro. Para tudo que faço, a base, sempre, é minha vida cotidiana, concreta, empírica; a consciência assentada no real, no presente, no mundo; o corpo em exercício de abertura, aprendizado em ver, assimilar, agir e interagir.
Após mais de cinco anos na busca de forma e sentido à minha escrita, enfim, um pouso feliz. Deslizo melhor no menor, me convém o inconvencional, gêneros quase inexistentes, híbridos. Este é um espaço de miniensaios e crônicas, haicais e haibuns, fragmentos, miscelâneas.
Meu perfil no Instagram continua ativo, mas lento: a ideia, agora, é usá-lo como isca para trazer mais gente até aqui. Estou contente com esta niusleter (tanto quanto a ideia de aportuguesar o termo newsletter). Espero que meus textos sejam tão proveitosos quanto será, assim espero, a atividade de publicar por aqui.
Vamos experimentando. Responda-me, se sentir — será um prazer.
Abraços e até o próximo envio,
Felipe Moreno