§ Último dia de carnaval, manhã aberta, adolescentes ainda na praça. Desde quando? Até que horas? Um acocorado na sarjeta, olhos vermelhos e baixos, mão frouxa, unhas curtíssimas, carcomidas, segurando o copo descartável com resto de destilado e energético requentado pelo calor da mão e do sol. Mais três dispersos, zanzando, penando, fruindo o baque do mix de maconha prensada e vodca barata, à base de álcool de beterraba. E um último, em destaque, chacoalhando, estridente, esgoelado, gargalhando ou grunhindo feito bicho estranho. Escassez de lança-perfume neste ano. Por isso, apelou para a opção mais baixa: agarra firme, quase amassa, a lata de buzina. Leva à boca, bafora o gás. Uma, duas; e, na terceira, paulada interna nos sentidos: troncho, trôpego, pernas tortas, rosto deformado. E os amigos: “Eita, porra!”.

gás de buzina:
puxa e bate, o baque, surdo
tuiiiim — micro badtrip?


§ O cume do neoliberalismo no Terceiro Mundo; o neoliberalismo marcado na pele do Terceiro Mundo: o jovem panfleteiro, que dispara papéis de consulta odontológica, tem o símbolo da marca esportiva Mizuno tatuado na maçã do rosto.

por toda a vida
o olho colado
na marca estrangeira


§ Na calçada úmida, apodrecida, polvilhada de inúmeros dejetos fragmentados, descaracterizados, em decomposição, destacam-se três objetos, também fragmentados, porém ainda frescos: o retalho de um sutiã lilás; o pé esquerdo de um sapato bege, salto médio, tamanho 36; e a embalagem de preservativo, azul claro, sabor ice, rodopiando, sutil, ao vento. As calçadas urbanas são a base de concreto onde decantam os estilhaços das nossas tralhas e paixões.

na velha calçada
os adornos dos gemidos
da noite passada