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Pausa nos textos integralmente literários, para uma expiração, um suspiro de autopublicidade — porque nem só de inspiração vive o haicaísta.
Desde fevereiro circula Brasil afora (assim espero) 132 haicais, escritos por mim entre 2019 e 2021, e editados pela editora Bestiário, de Porto Alegre, numa coleção chamada o bambu balança. O projeto gráfico é de uma beleza que, para mim — que espio o livro na minha estante todo dia, sem querer ou propositalmente — nunca vai arrefecer. A capa é ilustrada com gravura do clássico artista japonês Nakabayashi Chikutô e, na orelha da contracapa, minha cara de canastrão.
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Ao longo das 93 páginas, uma divisão em sete eixos: 7 eixos: itinerário do fogo; trópicos; dialética do irritante; metafísica do minúsculo; cyberpunk; contratempos, passatempos; e disparates e carinhos. Influências diluídas, tradições misturadas: do tradicional ao abrasileirado, com e sem métrica; com kigô, sem kigô; bucólicos, cosmopolitas; a descrição do mundo natural e a crítica social. O fato preciso é que os haicais da obra transitam entre a tradição do haiku e do senryũ.
O tom geral é reflexo do saber e do contentamento extraídos do mundo concreto e ordinário: exercício de aguçar a percepção que não difere segundas de manhã e sábados à noite, pois tudo é vida cotidiana — e o desejo de buscar algo além disso, algo de especial, vai cessando; e de que o olho que vê (vê e pronto) os galhos finos de bambu, balançando no quintal, encontra pouso mais certeiro e afinado do que o olho que vê e pensa (vê mal) — pensa longe, descolado, não se aquieta, não dilui, anseia, devora, esgarça o próprio sentido do ver. Exercitar o ver na perspectiva do menor, debaixo das narrativas da profusa mente humana, incindindo direto nas coisas, dá poesia.
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A farfalhada número 13 é, além de um explícito dizer “olha, se tiver interesse e condição, considere apoiar um escritor em início de jornada; apoiar uma editora independente; conhecer o haicai, caso não tenha intimidade com este gênero; etc.”, também uma oportunidade para compartilhar alguns haicais que compõem o livro. Eis:
enfim, consenso:
mãos antropocêntricas
colhem antropoceno
nos dentes da criança
um fiapo de manga
sorri à toa
bancos versus povo:
juros sobre juros
choros sobre choros
no oceano virtual
o ser humano é pescado
pela rede social
junho, lua cheia:
o céu derrama breu
até às seis e meia
destino ou acaso
certo é que a vida
sempre vem ao caso
Enfim, a quem interessar, o livro está disponível aqui. Em pleno 2022, bem barato: R$ 32,00. Que o haicai siga seu caminho, e que sigamos no caminho do haicai.
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Atrair inscritos em niusleter é trabalho de garimpo, manual e orgânico. Se você acompanha e aprecia esta niusleter, e conhece gente que também faria o mesmo, compartilhe, indique. Embora inicial, a experiência desses envios por e-mail tem sido uma das atividades de criação e interação mais empolgantes e alegres que já tive na internet.
Abraços e até a farfalhada #14,
Felipe Moreno
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