Desistir de escrever?

Toda vez que passo em frente à vitrine de uma livraria e vejo a infinidade de títulos, penso, em primeiro lugar, em desistir de escrever. Para que e com o que acrescentar nesse monumental empilhado verbal? Ainda que haja cada vez menos leitores de livros no Brasil e no mundo: da poesia ao empreendedorismo, há uma massa excessiva e proliferante de páginas grafadas com tudo, sobre tudo, para tudo.
Não abandonamos a caneta ou o teclado: a necessidade de dizer e criar, pela palavra escrita, é a neurose recalcitrante da civilização secular, fetichista do saber, tarada em explicitar o universo. Viciada no verbo desde seu primórdio fanático-religioso, quer dizer, monoteísta (tábua dos dez mandamentos de Moisés, abertura do Evangelho de João: “No princípio era o Verbo”), nossa cultura, seiscentos anos atrás, era tiranizada, no entanto, com base numa única, insubstituível e incorrigível obra: abaixo da bíblia, todo calhamaço era panfleto e entretenimento. Os povos originários? Quase todos ágrafos. Hoje sabemos que sua recusa ao livro não se deve a qualquer “atraso” civilizacional — ao contrário, aponta para a sabedoria de que preservar histórias e saberes pela oralidade lhes são mais valiosos do que enclausurá-los num pedaço de papel. Quantos às populações do extremo asiático, estas desenvolveram, sim, seus próprios sistemas de escrita cujos signos são, grosso modo, o desenho das matérias, a imagem das coisas. O signo alienado, abstrativo, o signo excessivo e, principalmente, o exagero de páginas são exclusividade dos brancos.
No fim, o que faço? Entro na livraria, vasculho até o tempo me permitir, com fome de coisas escritas. Às vezes, compro um ou dois livros. Volto para casa, ávido pela leitura. Serpente que morde a própria cauda, não me há escapatória: até quando preciso atacar a escrita, só me resta ler e escrever.
A farfalhada niusleter é o meio mais livre e satisfatório por onde espalho, na internet, meus escritos fragmentários de muitos temas e tons: dos arranhões filosóficos e políticos baseados, quase sempre, no debate sobre civilização e ecologia, aos meus haicais, haibuns e zuihitsus da vida cotidiana. Alguns dos textos que compartilho aqui estão presentes no meu último livro, um miscelânea fragmentária chamada O clarão das frestas. Atrair inscritos é sempre uma alegria, mas dá trabalho. Se você acompanha e aprecia esta niusleter, e conhece gente que também faria o mesmo, compartilhe, indique.

Abraços e até a farfalhada #103,
Felipe Moreno
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