Burnout geral e o desastre preferível à catástrofe

1. O tempo da aceleração terminou: estamos no superaquecimento, no burnout geral. Dos afetos à atmosfera, tudo superesquenta e derrete. É, afinal, uma metáfora acertada para esta sociedade materialmente catapultada a partir da queima exorbitante de combustíveis fósseis. O que tem se tornado a vida, em todos os seus âmbitos, senão fumaça intoxicante e calor?
2. Também a euforia passou: vivemos, hoje, a exasperação, a queda e a catatonia. A euforia é a inflação do desejo por um objeto no horizonte. Já não temos objeto, nem horizonte — apenas um desejo hiperestimulado na tentação da recompensa imediata, tirano agressivo e impaciente. Ou, por outra, somos o desejo estridente por um objeto natimorto num horizonte desértico.
3. Supõe-se que o escapismo é nossa regra de sobrevivência, mas é engano: a mais prolongada intoxicação hedonista, na chegada da rebordose, nos imerge, de novo, na condição predominante de todos os aspectos do nosso mundo: a alta temperatura, o mal-estar, a liquidificação e a evaporação. Todo niilismo e todo otimismo são nossos escapismos retóricos. Então, se não há resposta fácil, é sinal de que as cortinas ainda não se fecharam.
4. Estes fragmentos não são minha sentença final sobre o mundo, mas a perturbadora constatação do mundo que vejo — que precisa se desdobrar numa esperança radical. Alguns pensadores me ajudam. Precisamos de mais, contanto que criemos coesão, direção. Meus direcionamentos ainda são vagos, mas são alguma coisa: enquanto houver instinto de sobrevivência e solidariedade, haverá brecha; enquanto houver luta e amor, haverá fresta.
5. Após tanto ceticismo, tanta prudência, talvez confesse, enfim, a urgência de uma revolução. Constatação e afirmação amargas, sem calor. Há um tom de desastre no curso e/ou na sequência de todo processo revolucionário: a construção de uma nova sociedade prevê excessos, a fome por um novo horizonte é saciada com sangue algoz, e atrás das máscaras de mártires reconhecemos a face dos déspotas.
6. Uma revolução social é o resultado da soma de desespero agudo e fé avantajada — dois afetos explosivos. Uma revolução carrega, em seu interior, a natureza de um desastre. Mas o desastre é menos que a catástrofe, preferível que a catástrofe. O tecnocapital nos dirige a uma quase incontornável catástrofe. Reformá-lo significa apenas tomar caminhos menos tortuosos, rumo ao mesmo destino hediondo. Este sistema não deve ser reformado: suas reformas são a acomodação da barbárie. Ante a catástrofe do tecnocapital, prefiro um desastre revolucionário.
7. Devemos reaprender a respirar, pois não há escapatória ao superaquecimento. Talvez precisemos resfriar os sentidos para que os organismos resistam ao clima flamejante. E, com mais certeza, é no pulo pela janela do colapso que encontraremos a saída. Talvez precisemos diminuir as dissidências e aumentar as incidências, reduzir os recortes, ampliar os choques. Só nos restou o cara a cara, testa com testa.
A farfalhada niusleter é o meio mais livre e satisfatório por onde espalho, na internet, meus escritos fragmentários de muitos temas e tons: dos arranhões filosóficos e políticos baseados, quase sempre, no debate sobre civilização e ecologia, aos meus haicais, haibuns e zuihitsus da vida cotidiana. Alguns dos textos que compartilho aqui estão presentes no meu último livro, um miscelânea fragmentária chamada Retalhos. Atrair inscritos é sempre uma alegria, mas dá trabalho. Se você acompanha e aprecia esta niusleter, e conhece gente que também faria o mesmo, compartilhe, indique.

Abraços e até a farfalhada #83,
Felipe Moreno
>>> Leia as niusleteres anteriores <<<
>>> Instagram: @frugalista <<<