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Lojas de calçados
Loja de calçados, chamada Alemão Calçados, ao lado da Mix Calçados. E a Mix Calçados em frente à Manoela Calçados, que está a uma quadra da outra unidade da Alemão Calçados, esta na mesma rua que a Ventura Calçados. Todas elas cimentadas sobre solo onde, há meio milênio, pouco antes do invasor aqui pôr os pés, nativos andavam descalços.
Sociedade do desempenho
No vídeo de quase um milhão de visualizações, milhares de comentários elogiosos, o homem, preto e pobre, está dentro de um supermercado atacadista. Muito eloquente, é entusiasta do trabalho, empreendedor das trincheiras, influenciador dos pobres; e afirma: “Só não ganha dinheiro quem não quer”. Mostra a receita do seu sucesso: apanha algumas caixas de balas e bombons, calcula quanto gastará, quanto tempo levará para vender tudo nos semáforos e quanto lucrará. Reafirma, com fé em deus: “Só não ganha dinheiro quem não quer”. Reproduz o mesmo discurso do jovem milionário, CEO de startup, branco e multiplicador da riqueza que vem do berço, que compartilha o vídeo do empreendedor preto e pobre. Na legenda, reforça: “Para quem diz que não há oportunidade para todos, tá aí o exemplo. Quem tem força de vontade, vai atrás, alcança”. O conteúdo também chega à tela de uma mulher preta e pobre, três filhos para criar sozinha, refém da depressão, que se sente ainda pior ao concluir que nada alcança porque não tem força de vontade, não vai atrás.
Loja de embalagens
Loja de embalagens plásticas, no centro da cidade, chamada Guaraci, deidade do povo Guarani. O proprietário é um homem branco, descendente de misturas, entre o português e o alemão. Mas nem um por cento de descendência indígena. Além do mais, não está nem um pouco preocupado com a situação dos indígenas no Brasil. Preocupa-se apenas com seu negócio, sua família, o setor empresarial, a economia do país. É católico, acredita num único deus. Ainda assim — e não se sabe porquê —, decidiu abrir uma loja de embalagens plásticas cujo nome é de um importante deus, oriundo de uma tradição politeísta — para muitos cristãos, pagã. Mas o proprietário sequer sabe o que é politeísmo ou paganismo. Tem fé em deus, em alguns santos, na Bíblia e na prosperidade material. Seu negócio faz sucesso, vende muitas embalagens plásticas.
O menino e o chinelo
O chinelo do menino arrebenta, ele conserta com prego. No dia seguinte, arrebenta de novo — põe outro prego. Desfaz pela terceira vez e insiste no conserto com prego. O chinelo estoura pela quarta vez e não há mais pregos, tampouco dinheiro para comprar outro par de chinelos. Mas tem moedas que compram pregos. Mete as moedas no bolso e, descalço, vai ao mercado. Mas não há pregos, está em falta. Em compensação, há muitos chinelos. O menino sai do mercado calçado e com o bolso cheio de chicletes.
Atrair inscritos em niusleter é trabalho de garimpo, manual e orgânico. Se você acompanha e aprecia esta niusleter, e conhece gente que também faria o mesmo, compartilhe, indique. Embora inicial, a experiência desses envios por e-mail tem sido uma das atividades de criação e interação mais empolgantes e alegres que já tive na internet.
Abraços e até a farfalhada #28,
Felipe Moreno
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