
A humanidade média está na praia, besuntada de protetor solar, sob guarda-sóis que estampam marca de cerveja importada. A humanidade média está no supermercado, inflando carrinhos com objetos revestidos em plástico, no corredor de cosméticos, sentindo um prazer fugaz com o perfume produzido pela mistura de tantos sabonetes, desodorantes, loções e cremes enfileirados desse ambiente fechado. A humanidade média está na praça de alimentação do shopping, mastigando filetes de gordura hidrogenada e, num copo de 500 ml, bebendo leite de vaca, soro de leite, manteiga de cacau, gordura hidrogenada, vendidas pelos nomes de batata frita e milk-shake. A humanidade média está na praia, no supermercado, no shopping e não quer estar em outro lugar: agradece a deus por isso.
A humanidade baixa, sem protetor solar, está com os pés fincados na areia escaldante da praia, segurando uma porção de camarão que não vai comer; está no quiosque da praia, cortando cocos que não vai beber; preparando caipirinhas que não vai bebericar, mas entregando-as em copos e canudinhos descartáveis; arrecadando dinheiro em pochetes e maquininhas de cartão: dinheiro que irá parar em outras mãos e contas bancárias que não as da humanidade baixa. A humanidade baixa está no supermercado, uniformizada, atrás dos caixas, carregando caixas, repondo estoques. A humanidade baixa está na praça de alimentação do shopping, queimando as mãos com o óleo em que se frita os filetes de gordura hidrogenada, acidentando-se com os copos cheios de leite de vaca, e sendo escorraçada por quem os comprou.
A humanidade alta está na praia, mas não em qualquer praia. Não está no supermercado, mas no empório. Está no shopping, mas não em qualquer shopping. A humanidade alta está em ambientes demasiadamente privados, exclusivos, exóticos, que não competem ao desfrute do restante da humanidade — ainda que o restante sonhe em também estar lá um dia, desfrutando em vez de trabalhando.
Se a economia degringolar ainda mais, a humanidade média frequentará menos a praia, passará menos tempo no supermercado e no shopping. Se a economia piorar, a humanidade alta continuará nos mesmos lugares. Apenas se o clima esquentar, a humanidade alta passará a frequentar praias ainda mais distantes. Se a economia deprimir ainda mais, as novas tecnologias dominarem e o clima esquentar, apenas sociólogos e deus para saber o que acontecerá com a humanidade baixa.
Atrair inscritos em niusleter é trabalho de garimpo, manual e orgânico. Se você acompanha e aprecia esta niusleter, e conhece gente que também faria o mesmo, compartilhe, indique. Embora inicial, a experiência desses envios por e-mail tem sido uma das atividades de criação e interação mais empolgantes e alegres que já tive na internet.
Abraços e até a farfalhada #26,
Felipe Moreno
