A casa e os livros
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Escrever e publicar o próprio livro, de forma independente, artesanal e caseira, é uma realização desdobrável, de muitos ecos, com contornos rústicos e imprevistos. Desafiador, cansativo, recompensador (inclusive financeiramente), quase mágico. Pois há, de fato, certa magia na condição de se apropriar de tecnologias de consumo, como softwares e uma impressora, para materializar uma obra literária no cômodo ao lado do que você dorme ou cozinha.
Uma das singularidades do livro artesanal e caseiro é reproduzir, junto com as palavras ou para além delas, nuances de sentidos, como perfume e textura, que são pedaços da própria casa. Assim, os livros da Casatrês são um pedaço da nossa casa, antiga, profunda e viva.
Retalhos, meu mais recente livro, talvez seja uma dessas experimentações radicais de simbiose entre criação e casa, invenção e moradia, arte e lar. O resultado acabou por conjugar a palavra, signo impalpável, com a linguagem tátil que é um livro físico. Impalpável e palpável, letra e toque, conteúdo e forma, confluindo numa miríade de pedaços, retalhos.
É um livro esquisito e que ainda me desconcerta na hora de defini-lo. O que consigo dizer é Retalhos, que tem prefácio do meu querido amigo soteropolitano Saulo Machado, escritor e estudante de psicologia e psicanálise, é uma miscelânea de gêneros textuais que inclui haibun (gênero japonês que une prosa poética e haicai), zuihitsu (em japonês, ao correr do pincel. Uma forma crua de escrever que se manifesta como entradas de diário, anotações do cotidiano, críticas sociais, divagações filosóficas) e o ensaio.
Constelado, do início ao fim, de fragmentos numerados, a capa do livro é revestida com velhos lençóis tingidos à base de açafrão e corante vermelho, que ferveram na panela de um fogão quatro bocas, na cozinha, ao lado do ateliê. Tal miscelânea fragmentária está dividida em 13 seções.
1. Modernidade, capitalismo, fim da linha
2. Paroxismos, prazeres e afagos da vida comum
3. Haibuns
4. Notas de revolta e ecologia
5. Exaustão no Terceiro Mundo
6. Punhado de aforismos aleatórios
7. Livros que não escrevi (esboços)
8. Resenhas sobre casas do meu bairro
9. Monstro híbrido do patriarcado
10. Observações mundanas (às vezes mesquinhas)
11. E-mails para dois bilionários
12. Parágrafos pré-literários
13. Presença e frugalidade
Descrições de pessoas no centro da cidade; um ensaio sobre o pensamento do filósofo sul-coreano Byung-Chul Han sob o ponto de vista do Terceiro Mundo; um diário sobre o colapso ecológico; e-mails para Bill Gates e Jeff Bezos; um punhado de aforismos aleatórios. Pedaços de textos com arranhões filosóficos e expressões do banal. Uma valorização dos cadernos escritos à mão, uma obra que trata do grande e do pequeno, do político e do cotidiano, numa exploração livre das formas. Eis meu estranho livro retalhado, que tenta abocanhar o mundo que me atravessa, na sua menor e maior expressão.
Na primeira quinzena de novembro, Retalhos foi lançado em São Paulo, na Feira Miolo(s), e em Curitiba, na Feira Estopim. Chegou a vez do lançamento em Florianópolis, para coincidir com uma data especialíssima: o aniversário de três anos da Casatrês.
Portanto, aproveito para fazer o convite às amizades da Ilha. No próximo sábado, dia 03, a partir das 15h, a Casatrês estará na Desvio Veg, rua Victor Meirelles, 98, Centro. Ali comemoraremos os três anos da Casatrês e lançaremos não apenas Retalhos, mas duas outras obras que nos enchem de alegria: Descivilização: Manifesto Dark Mountain, de Paul Kingsnorth e Dougald Hine, e tradução de Davi Tekle Scherer (obra, até então, inédita no Brasil); e opúsculo esquizo: da loucura, da cidade e do que faz a vida viver, de Eduarda Moro.
Descivilização: Manifesto Dark Mountain
opúsculo esquizo
Nota final e estarrecedora: levaremos todo nosso estoque, de livros e cadernos. Todos os produtos estarão com 20% de desconto, inclusive os três livros de lançamento.
Contente, agradeço e me despeço.
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Abraços e até a farfalhada #38,
Felipe Moreno