Episódio 5 - A esfera do Sol (ou: o que você quer?)
Daí que a gente viajou de férias.
Nos dias que antecederam a viagem, por conta de todo trabalho necessário pra viajar (fazer malas, congelar comida, jogar lixos fora, entreter a criança de férias, etc.) eu decidi remover as travas dos apps.
A gente estava no aeroporto e eu quis postar uma foto no Instagram pra dar aquele aviso manero pros amigos e familiares. Clássica foto de mala nos stories, que funciona melhor como aviso do que mandar qualquer coisa via zap.
Àquela altura do dia a cota de Instagram que eu tinha colocado pra mim mesmo já tinha ido embora - lembrando, era uma horinha só de tela, que passa rápido em dias comuns e ainda mais rápido em dias cheios.
Resolvi remover as travas todas e continuar usando os apps todos e assim dar um descanso pra minha própria cabeça. Cada preocupação a menos que você tenha conta numa viagem com criança. Ganhei uma válvula de escape extra até colocar o telefone em modo avião e ele virar um peso de papel caro pelas doze horas de voo seguintes.
Assim: viajem é um negócio exaustivo, especialmente com criança.
Fazer mala é chato e trabalhoso, o checklist das coisas da viagem parece que não acaba nunca e você tá sendo interrompido absolutamente o tempo todo porque a criança está entediada e/ou precisando gastar energia1.
Esse rolê de ter o foco nas coisas constantemente desviado me cansa demais. E é assim da hora que você começa a arrumar as coisas até a hora que você consegue se instalar no destino. E nesse meio tempo tem embarque, controle de passaporte, filas, alfândega, horas e horas e horas de espera cansado2, refeições de aeroporto e muitas e muitas horas num assento.
Quanto menos coisa pra você se preocupar, melhor.
Temos aqui dois contextos distintos, e cada um tem uma demanda particular de energia, foco e vitalidade.
Em um deles, as travas de app fazem sentido. No outro, não. Em cada contexto a rede assume uma funcionalidade diferente, em função da mudança de rotina. São os mesmos apps, mas não é exatamente a mesma vida.
No final das contas, a discussão que importa é essa: o que se quer fazer com essa (suposta) ferramenta?
Repare que as empresas que criam e vendem redes sociais o fazem como se estivessem vendendo ferramentas que supostamente vão melhorar a vida dos usuários gratuitamente. A gente sabe que nada é de graça, mas o que pega é esse papo de ferramenta e funcionalidade para se cumprir um objetivo.
A eterna questão é: ferramenta a serviço de quem? E pra quê?
Parece uma questão óbvia, mas dada a natureza insidiosa das redes e do algoritmo, frequentemente você deixa de usar os apps pra ser usado por eles. Em um certo aspecto, eles são projetados para isso (se cumprem ou não esse papel, são outros quinhentos).
O pior ao menos pra mim nem é o uso dos seus dados para fins desconhecidos (o que já é bastante problemático), mas o quanto que as redes são eficientes em apertar os botões nas nossas cabeças pra fazer a gente agir de uma forma ou de outra segundo interesses que não são nossos.
Não é fácil estar no controle e fazer valer a sua vontade.
O que em uma semana é refúgio do tédio e do cansaço na outra é um elemento distrator. O bloqueio de aplicativos que foi uma baliza importante numa semana na outra quase não faz sentido, pois o contexto mudou, a vida mudou e com ela a maneira como o app é usado (e se o algoritmo for espertinho ele detectará isso).
Uma mudança externa drástica - por exemplo, viajar - é um gatilho de mudanças internas. A cabeça vai funcionar em resposta ao que surge diante dela, e vice versa. O que está fora é como o que está dentro e o que está dentro é como o que está fora.
E está sendo bom testemunhar o tipo de vida que me permite ficar longe desse tipo de distração, de refúgio torto que vai me derrubar logo à frente. Novamente, é difícil estar ciente de certas coisas quando se está imerso nelas.
E depois que se toma ciência, é ainda mais difícil fazer valer as suas escolhas e a sua vontade.
Nada demais aqui, criança é assim mesmo. Criança precisa de rotina, e toda viagem é uma implosão nas rotinas diárias da família inteira. A vibe da casa muda, o emocional, as preocupações e o que era pra ser uma manhã comum com torrada no café da manhã antes de ir pra escola vira outra coisa. E as crianças sentem. E reagem.
Crianças manifestam cansaço diferente de adultos, frequentemente ficando mais agitadas, irritadas e arredias. Tudo que o adulto cansado não quer.