Episódio 4 - A esfera de Marte (passando o cerol)
Tem mais ou menos uns dois meses, antes de fazer esse experimento, que eu fiz uma limpa no Instagram.
Eu tava seguindo um monte de conta de absolutamente tudo, e o meu algoritmo tava uma zona: me mostrava vídeo de chef de cozinha, tradwife, consultores de emprego em tecnologia, lutadores de artes marciais, vídeo de plastimodelismo, gente que fica catando fóssil de forma não muito verídica1 e muito, muito ASMR.
No caso o ASMR era um buraco negro para um mundo à parte. Tinha vídeos de mistura de tintas, animais fazendo muda de pele e todo tipo de vídeo de indústria pesada de algum país do Oriente Médio ou Ásia onde não existe lei trabalhista ou segurança do trabalho e os caras manipulando metal fundido com a roupa do corpo.
Quando eu era mais jovem tinha uma postura para com a vida de ter uma certa abertura para coisas e experiências, porque sempre se pode aprender algo novo ou conhecer alguma coisa muito interessante e legal. E de certa forma, o feed do Instagram era um reflexo disso.
Porém, com o passar dos anos e depois de receber umas camadas de verniz de maldade que só o tempo pode nos dar2, eu comecei a perceber que esse tipo de postura, que levou este que vos escreve a muita coisa legal, também trouxe muita coisa não tão legal assim.
O paradoxo é que essas coisas não tão legais foram os catalizadores dessa postura digamos mais crítica do que eu permito que aconteça comigo.
No começo desse ano, eu tomei uma decisão: queria voltar a estudar guitarra. É uma coisa que eu fiz desde moleque, moldou minha vida e que eu gosto muito de fazer.
Estava a um ano sem tocar nadinha. Sem banda numa terra estranha, com a guitarra guardada no case desde que eu me mudei, em meados de 2022. Eu tava numa fissura fudida de voltar a estudar. Um misto de panela de pressão prestes a explodir e aquela apatia de “o que diabos eu to fazendo com o tempo que me resta nesse mundo”. Sim, sentimentos conflitantes em sua natureza e sentido.
Depois de pesquisar um pouco, comprei um micro amp Mustang da Fender (melhor decisão da vida) e comecei a tirar umas horinhas por dia pra estudar, quando a rotina permitia.
E pra me ajudar a me motivar, eu decidi fazer uma limpa nas redes. Limei todo o conteúdo que não fazia muito sentido, todas as contas profissionais de coisas que não tivessem relação com isso e todos os contatos de gente que eu não conhecia. Deixei só os amigos, outros músicos e uma meia dúzia de conta de fabricante de instrumento e equipamento.
Foram alguns dias limpando tudo, porque a interface do Instagram não facilita pra gerenciar mass unfollow. Demorou mais alguns outros dias pro algoritmo entender que a curadoria era outra e parar de me oferecer as coisas de sempre. É como se a rede fosse um ser humano muito tapado e burro, que não presta atenção direito nas pessoas nem no que tá fazendo.
Foi quando o shuffle do Instagram começou a me mostra mais coisas de música: o grosso era vídeo de guitarrista, mas de vez em quando aparecia algum vídeo de banda famosa fazendo show por aqui, vídeos antigos de bandas que eu gosto, baixistas, bateristas e de vez em quando instrumentistas de outros estilos.
Ficou melhor do que o rolê aleatório que era antes.
Eu tenho essa conta de Instagram a muito tempo, e ela já passou por várias fases junto com a evolução da rede social.
Já foi repositório de foto de comida, de print de livros que eu estava lendo na época, de momentos entre amigos, fotos metidas a artístico-conceituais e agora fotos e vídeos do filhote. Já foi aberta, já foi vinculada ao Facebook, já serviu como plataforma pra trocar ideia com amigos e conhecidos e hoje é basicamente uma televisão portátil, onde eu vejo vídeos curtos interessantes e repasso pra quem quiser ver.
Justamente por funcionar mais como televisão de baixo orçamento pra assistir em momentos de tédio que eu já cogitei apagar as fotos todas que eu tenho3. Baixar tudo, guardar em algum canto e olhar de vez em quando pra fazer um afago na memória.
O que eu sinto falta é o que todo mundo sente falta: poder interagir com as pessoas que a gente gosta pelo meio das fotos. Mas esse trem já partiu faz tempo e eu honestamente não sei se volta.
Mas por hora seguimos com a curadoria guitarrística no Instagram. Tem aparecido coisas interessantes, o que ajuda a sanar aquela sensação de perda de tempo de ficar usando rede social.
Me pergunto quem tem interesse genuíno nesse tipo de conteúdo.
Isso ou ir full cínico, o que eu não recomendo.
Em tempos de IA generativa, em que as big techs resolvem mandar os termos de uso que eles mesmos criam pras picas e usar foto de todo mundo pra treinar IA, a vontade é ainda maior.