Episódio 3 - A esfera de Júpiter (expansão, filosofia e teologia. Ou, botando ordem no cosmos)
“O meio é a mensagem”. Certeza que ter botado um freio em app de rede social deu uma mexida nos processos cognitivos1.
Primeiro é aquela história do peixe que não percebe o oceano. Enquanto você está imerso em uma realidade específica, a tendência é não percebe-la, especialmente suas contradições e paradoxos. Quando você sai dela e começa a se engajar com outras coisas (e por tabela de outras maneiras, porque aquele meio já era), aquele demônio que antes era alheio a você começa a ganhar nome, forma e começa a se “coisificar”.
Devagar a grande ficha vai caindo. E no caso específico de rede social, começa a sobrar mais tempo, essa coisa tão preciosa. Se até outro dia você tinha uma mente bastante hábil em se engajar em um tipo específico de rotina mental, tu vai aos poucos sacando que já não está mais rolando tanto2.
Eu odeio do fundo do coração metáforas da mente e processos cognitivos como um computador ou programa3, mas aqui acho que elas funcionam bem. Sobra um pouquinho mais de memória RAM pra usar de outras formas. A máquina esquenta menos porque não tá rodando no máximo da capacidade (ou até mesmo em overclock) o tempo todo, sem aquele monte de processos extras rodando que você nem sabe o que é.
Tem um tipo de sabedoria, de tomar ciência das coisas, que você só consegue quando se distancia bastante de algo por um tempo razoável. Não adianta ir pras redondezas, tem que ir pra bem longe, e tem que ficar lá por algum tempo.
Quanto tempo? Depende. Tudo depende. Neste meu caso específico, foi marromenos uma semana pro que eu estou sentindo agora. Daqui a um ano é provável que eu destrave mais coisas.
Normalmente esse distanciamento tem um componente alheio ao nosso controle, como quando rola uma demissão ou um fim de relacionamento. A novidade tá aí, não era bem o que a gente queria, mas a gente precisa viver e se engajar com essa realidade porque é o que tem pra hoje.
E é isso que permite ir virando chavinhas. E não necessariamente é um processo bom ou gostoso, com aquele sabor de final feliz tão comum em papinho de coach.
O veneno é o antídoto mesmo. Por exemplo, a ideia desse Substack ficou fermentando na cabeça depois deu comentar que escreveria sobre isso e algumas pessoas demonstraram interesse em ler.
Agora eu tenho um brinquedo a mais (isso aqui) e outro a menos (o Twitter, no caso). Eu me daria a esse trabalho se estivesse abrindo o Twitter compulsivamente? Provável que não.
Eu gosto de ler e tal e também acompanho algumas newsletters, mas não é o tipo de coisa que eu tivesse muita vontade de fazer. Tem gente que precisa escrever. Não é o meu caso.
Mas, o Substack ta aí, por hora tá sendo divertido e me permite pensar as coisas num outro ritmo, de um outro jeito. E está sendo prazeiroso.
Tirar um momento pra sentar na frente do computador e escrever essas linhas, para depois ler novamente e reescrever, tem me ajudado a pensar as coisas em perspectiva. 4Certeza que não é algo que eu sequer teria imaginado ou teria o ímpeto de fazer se ficasse o tempo todo dando scroll em tela de rede social.
Outra coisa que eu descobri é que tem muita, muita gente usando o Substack real oficial como rede, pra interagir com outras pessoas. É um bioma muito parecido com a internet de vinte, quinze anos atrás, com os blogs e as pessoas se conhecendo e interagindo em caixa de comentários. Lembrou um pouco a época em que o feed RSS reinava.5
Boto fé que o Substack foi criado para atrair gente saudosa da internet de outros tempos - ecossistema de textos de blogs e caixas de comentários, quando os canais de vídeo eram um experimento surgindo no horizonte. Quando se produzia coisas fora dos cercadinhos das grandes redes e da lógica dos algoritmos
Não que eu ache que o Substack é fofinho e bonzinho e quer o benefício de todos os seres sencientes, mas eles entenderam que existe uma demanda de produção e consumo de conteúdo que por hora não tá cabendo na agenda das big techs nem nas distorções e contradições dos algoritmos.
E se puderem capitalizar nas assinaturas, melhor ainda pra eles.6
Não acho que seja uma mudança drástica, mas é o suficiente. Ou talvez seja drástica exatamente por ser o suficiente na medida.
Nem vou entrar no mérito da saúde mental, de redução de ansiedade, stress, compulsão e o escambau.
Falo de um hábito claramente ruim, mas eu suspeito que essa mecânica é a mesma para hábitos bons que a gente vai largando.
Eu acho esse tipo de metáfora fundamentalmente errada, e só serve para gerar confusão sobre processos cognitivos e sobre computadores e sistemas.
Tenho pensado inclusive sobre meus processos de escrita. De sentar à frente do computador e produzir um texto que no dia seguinte eu detesto e preciso reescrever. Todos aqueles cacoetes de linguagem e maneirismos e vícios de linguagem e marcas de oralidade que a principio podem nem ser um problema mas pra mim acabam sendo. E aos poucos eu vou tomando consciência de como funcionam meus processos criativos.
Eu tenho minhas suspeitas com qualquer plataforma lançada hoje em dia. Não tem empresa nem app bonzinhos. Mas também não sou saudosista e não olho pra essa época dos blogs como uma espécie de Era de Ouro, com tecnologias perfeitas e sem problema nenhum até o Google malvadão vir e matar o feed RSS.
Queria saber o quanto que esse tipo de conteúdo é relevante, é lido, gera engajamento ou métricas. Porque, dependendo, pode ser o suficiente pra chamar a atenção dos Meta da vida.