Episódio 23 - Atenção, a única coisa que importa
Faz umas semanas, eu sentei ao computador pra escrever umas linhas nessa pegada “mundo indo pro vinagre”. Estava com esposa e filho doentes, uma friaca desgraçada no meio do inverno e muito cansaço habitual.
O Sol transitava pelos primeiros graus de Aquário. O governo Trump II havia sido recém inaugurado a alguns dias. Um milhão de ordens executivas já haviam sido emitidas e já tinhamos uma amostra grátis do caos que iria se instaurar.
Hoje é dia 17 de fevereiro. Não deu um mês de governo ainda, mas já foi uma avalanche de coisas acontecendo. O mundo virou de pernas pro ar em muito pouco tempo.
Enquanto eu rascunhava o texto, apareceu para mim um post no Bluesky onde o co-fundador e CEO do Substack declarou apoio ao Elon Musk e à sua visão torta sobre liberdade de expressão1.
E isso tem implicações.
Era coisa demais pra mim num dia só. Parei de escrever o rascunho na mesma hora, fechei o computador e fui dormir.
O Substack tem problema bastante sério: ele não apenas não faz moderação de conteúdos nazistas publicados na plataforma, como também monetiza em cima das assinaturas desses conteúdos. Para a plataforma, discursos de ódio, apologia a ideologias e governos fascistas e revisionismo histórico cabem no mesmo balaio de newsletter de receita de bolo ou crítica musical. O único limite é o da incitação à violência, onde a plataforma remove o conteúdo nesses casos extremos.2
Muita gente não sabe disso. É um problema velho, que virou reportagem no começo de 2024, quando essa rede ainda não tinha explodido em popularidade.
A liderança do Substack já foi confrontada sobre o problema, e pelo andar da carruagem, vai manter a mesma postura de antes. Em seu texto, o Chris Best defende que liberdade de expressão não é uma coisa político-partidária, mas parece ignorar os vieses e contradições de uma suposta liberdade de expressão irrestrita que não vê problema em conteúdos de extrema direita - fake news, ameaças de morte, revisionismo, etc. Isso tudo que vocês sabem.
Dadas as suas declarações, podemos inferir quais serão as próximas decisões corporativas que o site vai tomar e em benefício de quem.
Atualmente o Substack se vende e é vendido pelas pessoas que o utilizam como uma alternativa às redes sociais e à mídia tradicional.3 Ele se consolidou como uma plataforma de comunicação e monetização (muito importante isso) de jornalistas e formadores de opinião que perderam seus empregos em passaralhos, perseguição política, demissões ou que simplesmente resolveram lançar projetos pessoais.
Quando o jornalismo tradicional começou a colapsar, o povo veio pra cá.
Quem sentia falta de textão encontrou no Substack uma casa e talvez um pequeno negócio4. Nesse aspecto, essa rede cumpre o seu papel de ressuscitar uma mídia que foi morta cedo demais pelas demais redes sociais, mas que ainda tem um lugar no mundo e uma função social a cumprir.
Mas essa casa (ou esse pequeno negócio) ainda está situado num enorme bairro fechado cujos donos são um bilionários do Vale do Silício. É uma plataforma centralizada, como o Instagram, TikTok e X.
Eu não consigo ver isso com bons olhos.
Por hora, está funcionando bem pra muita gente… até a hora que não funcionar mais. Basta uma nova feature, uma mudança de algoritmo ou algo que o valha e o autor/criador de conteúdo fica rendido. Já aconteceu com outras plataformas (Twitch e YouTube tem um histórico de mudanças unilaterais em suas políticas que prejudicam criadores de conteúdo) e é factível de acontecer no Substack também, ainda que improvável a curto prazo..
Pode ser que nada aconteça. Pode ser que o caminho seja algo mais com cara de neutro, como é o caso do Meta. Ou poderia virar plataforma de extrema direita, como é o caso do X/Twitter. Convém oracular sobre.
Mas a princípio, nenhum desses caminhos é bom pra nós, reles mortais.
Como nada é mais garantia de nada, convém ter um plano B pro caso disso aqui ir pro vinagre, assim como aconteceu com tantas outras redes e plataformas. Convém se preparar para não ser pego de surpresa.
Especialmente se você ganha dinheiro com o Substack.
Especialmente se você ganha dinheiro com o Substack e é das místicas.
E é por isso que eu estou procurando alternativas ao Substack. E pretendo migrar a newsletter assim que possível. E eu vou avisar vocês quando isso acontecer, podem deixar.
Mas sim, este Substack se propõe a ser um educandário e ser esotérico. Certo. É por isso que vocês ainda abrem esses textões, afinal de contas. É por isso que eu ainda volto aqui para escrever. Vamos então falar de coisas esotéricas e como que eu faço pra me educar.
O fato é que nesse redemoinho de coisa dando errado eu consegui a não muito duras penas encaixar horários regulares de meditação ao longo do dia.
É um tipo de prática que eu curto e funciona bem pra mim. Me faz bem de maneira geral, embora cada vez que eu sente pra meditar fique cada vez mais nítido o estrago que o mundo atual e a internet fazem na minha cabeça.
Fui comentar sobre isso em algum post e a coisa descambou pra dica de leitura. Aí eu recomendei um clássico do treinamento de mente que já vai fazer vinte anos: The Attention Revolution” do lama Alan Wallace
O livro é um manual de meditação que dialoga com a tradição budista Mahayana e Vajrayana5. Porém, como foi escrito por um lama ocidental, é muito mais fácil de ser lido e entendido por ocidentais comuns que precisam trabalhar e pagar conta. É um insider da nossa cultura entregando ensinamento mastigadinho pra gente.
Li esse livro a uns dez anos quando comecei a flertar com o budismo. Resolvi pegar pra ler de novo agora aos poucos, já que estou com uma prática mais regular de meditação.
Ele não é bem um livro desses feitos pra você ler inteiro numa sentada só, porque ele trata justamente dos estágios da prática de meditação e as realizações que são o resultado da prática.
Sabe os livros do Bardon, que é pra você ir alternando leitura e prática, leitura e prática para avançar aos poucos? É a mesma lógica. Você vai praticando, avaliando o resultado, lendo de novo, praticando mais e aos poucos vai progredindo no livro.
Fez muito bem pra mim em outros tempos e está fazendo bem pra mim agora.
Aí voltamos ao problema inicial, que no fim das contas é um só:
Para onde diabos eu estou dirigindo a minha atenção?
A gente vive num estágio do capitalismo e da internet em que os commodidies de maior valor são a informação e a atenção das pessoas. Para onde as pessoas projetam sua atenção, por que e por quanto tempo. É isso que importa hoje em dia, a tal da economia da atenção. É o negócio das big techs, incluindo esta plataforma de newsletter.
Temos uma internet toda tunada nas mínimas configurações para capturar nossa atenção e nos manter presos aos seus cercadinhos. O meme besta, a reportagem ultrajante, a fala irresponsável do presidente, o vídeo histriônico do TikTok, o hot take, a fofoca do zap, tudo isso é feito pra fazer a gente olhar, reagir e engajar o máximo de tempo possível.
Sem moralismos aqui: nada disso por si só é errado ou indesejável. Só que são comportamentos incentivados por empresas que não estão preocupadas com os seus interesses. É o eterno problema de fofocar no zap e daí a pouco receber propaganda relacionada.
Uma vez capturados, o rolê é extrair o máximo de informação possível enquanto levamos uma injeção de todo tipo de lixo cognitivo que exite. AIslop, fake news, teorias da conspiração e desinformação. É o modelo de negócios da big techs e da extrema direita, muito bem sucedido por sinal. Até demais.
É difícil não se deixar capturar pelo canto da sereia que é a internet. Ela é feita pra apertar todos os nossos botões da nossa cabeça. É um grande experimento social muito bem sucedido ou mal sucedido dependendo do ponto de vista. E é por isso que a gente tá compulsivamente mexendo no celular e na aba da rede social, pra ver o que tá acontecendo de interessante, refazendo o ciclo.
Mas o fato é que a gente depende dela pra muita coisa. Não cabe falar em uso moderado mais, porque ela já é parte indissociável da vida e da cultura. Por isso mesmo que a gente precisa se blindar e se proteger. Sabe quando a gente olha a previsão do tempo pra saber quando vai ter chuva cataclísmica ou onda de calor? É a mesma lógica.
Já que não tem freios e contrapesos externos, o jeito é botar freios e contrapesos internos. E meditação serve (dentre outras coisas) pra isso: pra treinar o macaco da mente que nos deixa à mercê das noças emoções e impulsos.

E seguir com as práticas, aspirando proteção e um futuro auspicioso pelo benefício de todos os seres sencientes..
Recentemente, o próprio Musk fez tweets falando em censura. O que ele entende e prega como liberdade de expressão é poder agir e fazer o que quiser com quem quiser, da forma que quiser, sem sofrer qualquer tipo de consequencia. Isso inclui ações e falas abertamente nazistas, além de propagação de mentiras e fake news.
Dada a morosidade bastante comum das plataformas em remover esse tipo de conteúdo, eu não apostaria nisso. Ainda mais num governo que rasgou essas políticas no primeiro dia.
Inclusive, o canal de chat do Substack Chris Best faz o Substack parecer a melhor coisa do mundo. É divertido de ver (de uma forma bem assustadora)
Ou um grande negócio. O Glenn Greenwald, por exemplo, achou sua Eldorado nessas terras. E ganha muito dinheiro por lá.
Inclusive, logo no começo do livro, ele cita outro livro, “Stages of Meditation” do Dalai Lama e Kamalashila. Porém, por ser um clássico tibetano, é menos acessível ao leitor ocidental. Especialmente quem caiu no budismo ou no treinamento da mente ontem.