Episódio 15 - A árvore mundo (sobre esferas, mundos e linhas de metrô congestionadas)
Hoje o texto do Educandário vai ser mais ou menos como aquelas aulas-coringa em que o professor da escola metia quando precisava ocupar um tempo vago ou quando não tinha preparado a aula: o filminho para a turma.
Este é um vídeo do The Modern Hermeticist, do Dr. Dan Atrell. É um canal importante sobre magia, hermetismo e ocultismo sob uma perspectiva histórica e acadêmica.
Neste vídeo, ele bate um papo com o Dr. Justin Sledge do Esoterica1 (outro importante professor e pesquisador do ocultismo sob um ponto de vista acadêmico) sobre as influências helenísticas clássicas naquilo que, ao longo do tempo, viria a se configurar na Kaballah - esse conjunto de práticas místicas e esotéricas do judaísmo (porque na real não existe “uma” kaballah, ou “a” “kaballah”) oriunda da confluência de outras correntes e práticas espirituais judaicas que vão se entremeando no desenrolar do tempo no mundo antigo e medieval.2
O ponto é que o judaísmo e o pensamento rabínico, no período clássico, inevitavelmente vai ter contato com o pensamento helenístico. Sua filosofia, cosmologia, simbolismos, práticas místicas, espirituais e religiosas vão influenciar e ajudar a compor aquilo que viria a ser a Kaballah.
Não é por acaso que as séfiras da árvore da vida (sephirot no plural, literalmente esferas em grego koiné) se confundem com as esferas celestiais, tanto no nome quanto no sentido: ambas são emanações do divino, com uma atribuição metafísica que corresponde a emanações nesse mundo terreno aqui embaixo. Tanto que quando o povo da Golden Dawn resolveu martelar uma na outra, teve digamos poucos problemas de engenharia metafísica, visto que ambas beberam de fontes parecidas.3
Sua disposição geométrica, com as sephirot arrumadinhas e os caminhos interligando tudo, também bebe de fontes pitagóricas.
Claro, tem diferenças teológicas, teleológicas e cosmológicas importantes aí. Um rabino dos primeiros séculos da era cristã tem uma visão de mundo e de sentido das coisas muito diferentes de um astrólogo que tenha vivido na mesma época, sofrendo com as mesmas conturbações políticas e sociais.
Ainda assim essas ideias eram trocadas, circulavam, e iriam engendrar outras ideias e sistemas. Se por acaso ao rabino fosse vetado o oraculo pela interpretação da lei judaica4, ele por outro lado dispunha de um mapeamento simbólico e teleológico do cosmos bastante particular.
Pra mim, enquanto astrólogo, a tendência é ver as esferas celestiais como estratos compartimentados, cada um com o seu movimento independente no reloginho celestial. É um viés que eu tenho, uma tendência a ver as partes separadas das coisas como se fossem engrenagens de um mesmo sistema que dá pra montar e desmontar, como se fosse tudo peça de Lego metafísico. Tem horas que ajuda e tem horas que não. E quando não ajuda, vale a pena testar outra abordagem.
Eu também gosto da ideia de árvore da vida, que lembra bastante a ideia de árvore mundo em outras cosmologias: um eixo vivo (pois árvore) que liga os reinos superiores e inferiores ao mundo do meio, esse samsarão que habitamos. Tudo na real é uma coisa só, e pelo sistema de galhos e raízes dá pra sair de qualquer pondo da árvore e chegar em qualquer outro - mas só se você souber o caminho.
Talvez a ascensão pelas esferas não precise ser como viajar num foguete. Pode ser mais como pegar a rota certa da malha do metrô.
O Esoterica é o meu canal favorito do YouTube, e o trabalho do Dr. Sledge é uma grande fonte de sabedoria e inspiração para mim.
Apesar de ser uma conversa animada, é um vídeo denso e longo que aborda um monte de pontos. Convém assistir aos poucos, de preferência algumas vezes.
Não que essa superposição não seja problemática: a Golden Dawn buscava um sistema universal e perene que ligasse todo e qualquer símbolo de uma tradição mística ao que seria o seu correspondente em outra tradição, frequentemente passando por cima do que as próprias tradições tinham a dizer sobre si mesmas. É o olhar do colonizador místico, que em geral funcionou muito bem no sentido de produzir distorções sobre os próprios sistemas utilizados - tanto das praticas supostamente oriundas do Egito antigo como da cabala da Golden Dawn, que é muito diferente da cabala judaica. Qualquer ritual dos PGMS é mais sincrético e orgânico nesse sentido.
O judaísmo antigo tem uma relação bastante particular com a astrologia antiga. Esta servia para outras coisas além do oráculo (possivelmente mais importantes), como o cálculo da passagem do tempo, das estações e das datas importantes do ano. Por outro lado, não havia consenso rabínico sobre o uso da astrologia. Dependendo do entendimento sobre a lei judaica, ela poderia ser vetada, praticada em sua totalidade ou até determinado ponto (por exemplo, vetando a prática divinatória). Mas era uma tecnologia difícil de ser abandonada em sua totalidade.