Episódio 13 - Asphodel
Essa semana o Twitter voltou a ter suas atividades liberadas no Brasil. Achei bastante oportuno essa rede moribunda ganhar uma sobrevida extra, de forma bastante parecida com a daquelas pessoas que já estão com a saúde muito debilitada e, de repente, tem uma melhora súbita antes de partir de vez.
Ao que parece, o estrago do seu fechamento (causado pela própria rede ao descumprir a lei brasileira, que fique bem claro1) já tem a cara do arcano XIII do tarô: as coisas já passaram do ponto de não retorno. Nada será como antes.
Um fechamento definitivo da rede é até possível em algum momento no futuro, mas pouco provável por agora. A rede ainda existe, mas seu tráfego teve uma queda substancial e não está dando sinais de que vá voltar a ser o que era. Seu valor de mercado despencou e sua última mudança na política de monetização transformou o Twitter num esquema de pirâmide de contas verificadas.2 E o pior de tudo: não há mais qualquer tipo de controle interno da própria rede sobre postagens extremistas e fascistas.
Nada será como antes, e na falta de um fim mais literal, fica ao menos o fim metafórico. Sua continuação provável será como ferramenta de divulgação de desinformação e teorias da conspiração, como no caso do furacão Helene.
É um fim triste e medíocre pra uma rede que já foi considerada uma rede social importante, especialmente no que diz respeito à velocidade e circulação de informações.
Houve um tempo em que o Twitter era referência em casos de desastre e acidentes, porque as primeiras imagens e mensagens apareciam primeiro ali, pautando redações de jornais e ajudando equipes de bombeiros e defesa civil a fazer o seu trabalho.
O twitter deve seus momentos divertidos, gloriosos e bons, mas seu fim caminha para o inglório. E as mortes inglórias são o assunto de hoje.
O asfódelo é a região do submundo para onde vão as almas, digamos, das pessoas comuns.
O Elíseo espera pelas grandes almas. Os justos, os pios, os sábios e os os bons encontrariam uma (além-) vida cheia de felicidades e sem sofriementos.3 Já as almas ruins encontravam seu destino final no Tártaro. Quem ficava no meio do espectro ia para as planícies do asfódelo. Em grego, segundo a Wikipedia, temos ἀσφοδελὸς λειμών, romanizado asphodelòs leimṓn, que significa “campos de Asfódelos”, essa plantinha aí de cima bastante comum na bacia do mediterrâneo.
Para alguns poetas e estudiosos do período clássico, a planta teria relação com o submundo por sua cor acinzentada e pálida. O destino final das pessoas comuns seria uma enorme campina repleta dessas flores.
Talvez a ideia de purgatório, esse limbo cristão que não é nem uma esfera celestial e nem submundo de fogo e sofrimento eterno tenha, ao menos em parte, uma origem na ideia do asfódelo.

Para os gregos do período clássico4, existe uma questão moral no destino final das almas, mas esse destino também está atrelado à memória daquele indivíduo na comunidade. O asfódelo é para onde vão as almas que serão esquecidas por não serem associadas a feitos gloriosos nem infames.5
O que está em cima é como o que está embaixo, e nesse caso, o mundo dos vivos e o seu imaginário constrói o tecido do submundo, com seus destinos e caminhos para se chegar até lá - e dependendo, para sair de lá também.
Eu acho (no mínimo) um equívoco quando se fala da proibição do Twitter como se fosse uma decisão autocrática e pessoal do ministro Alexandre de Moraes, e não uma ação do STF em resposta ao descumprimento da lei brasileira por parte de um empresa estrangeira. Temos aqui um problema de jurídico de empresa lidando com uma decisão estúpida de seu dono, e não uma suposta “batalha épica: Xandão VS. Musk” como muita gente gosta de colocar. Um problema que poderia ter sido evitado de antemão, bastando apenas que o Twitter cumprisse a lei.
Quem apostou na volta do twitter se lascou. Melhor seria se tivesse procurado outros caminhos.
Convém lebrar que justiça, piedade, sabedoria e bondade são conceitos construídos socialmente e historicamente. Todo mundo entende essas qualidades de alguma forma, mas é bem provável que um grego do período clássico tivesse uma ideia bastante diferente da nossa no que diz respeito a essas virtudes.
Convém lembrar que a cultura helênica do período clássico era presente em boa parte da bacia do mediterrâneo, para além das ilhas do mar egeu e da península balcânica e ásia menor.
Pode parecer um destino bem ok para nós, indivíduos de uma sociedade capitalista do séc. XXI, viver numa campina esquecida de deuses e pessoas. Mas talvez fosse um destino menos desejável para um grego clássico. Novamente, aqui eu estou especulando: não sou historiador e tampouco entendo como era o imaginário social dos povos daquela época. Mas imagino que fosse bastante diferente do entendimento que temos hoje, pós cristandade.