Episódio 12 - o Elíseo
No mito grego, os heróis que realizavam grandes feitos eram imortalizados no firmamento. Zeus, deidade chefe do panteão, transformava estes mortais extraordinários em constelações na esfera das estrelas fixas.
Essa era a glória máxima à qual um mortal podia aspirar: virar estrelinha no firmamento e ter sua história cravada nos céus. Era o mais perto se poderia chegar dos deuses da mitologia grega.
Hercules1 e Perseu tem suas respectivas constelações. Teseu, embora não tenha uma constelação em seu nome, tem estreita associação com a constelação de Corona Borealis. A constelação de Lira, por sua vez, está associada ao mito de Orfeu e Eurídice. Belerofante, o matador da Quimera, tem seu mito eternizado na constelação de Pégaso. Jasão tem seu mito contado na constelação do navio Argos, da constelação (gigante) de mesmo nome.
Se existe algo de real, tangível e histórico desses mitos, esse algo são os desenhos no céu e suas estrelas.2 Pra quem sabe ler as estrelas, é um manual do cosmos, uma bíblia (ou um poema homérico) escrita no céu.
Aos demais mortais, mesmo os mais valorosos e nobres, restava pagar o barqueiro Caronte e encontrar o seu destino final no submundo. E tal destino, como em diversas outras mitologias, estava ligado aos atos da pessoa em vida. Pessoas boas, honestas e virtuosas (assim como todos os heróis não imortalizados) passam o resto da eternidade no Elíseo, o lugar paradisíaco do submundo - um paraíso celestial pocket, por assim dizer.
É no Elíseo que habitava Aquiles, onde pôde reencontar Pátroclo.3
O Elíseo está associado a Kronus, titã do tempo por sua vez associado ao planeta Saturno na astrologia. Depois de ser destronado pelos deuses olímpicos e preso no Tártaro, é perdoado por Zeus e se torna rei dessa parte do submundo.
Sendo rei do cosmos na Era de Ouro da humanidade, faz um certo sentido que seja o rei do submundo das almas virtuosas. Se por um lado o tempo é patrono dessas almas, por outro temos mais uma deidade associada a austeridade, dureza e velhice numa posição de poder e liderança cósmica. A imagem de um velho sábio que aguarda pacientemente pelas boas almas no outro lado é mais antiga que a cristandade.
A mesma foice que ceifa a vida e a mesma voz que nos diz “tempo esgotado” é quem preside o destino final das almas virtuosas, num lugar onde o tempo é a própria eternidade, mas sem o sofrimento inerente à condição humana. O tempo e a sabedoria que vem com o tempo tem estreita relação com o acesso ao Elíseo.
O submundo tem a ver com a terra, o centro do cosmos na visão hermética, sobre o qual estão dispostas as esferas celestiais.4
É nessa materialidade concreta, mortal e sujeita ao destino que os elementos presentes na esfera sublunar se dissolvem. A morte, ao levar as pessoas, leva a respiração (ar) o calor do corpo (fogo), fluídos (água) e por fim o próprio corpo (terra). Dissolvidos no mundo, voltam ao seio de Gaia para que possam alimentar e gerar outras vidas.
A decomposição do corpo não é bonita, e o processo de morte não é nada fácil para nós simples mortais pagadores de conta. Pra quem fica é sempre difícil de alguma forma. Para quem vai, um mistério, talvez o maior de todos.
Segundo a doutrina hermética, para que a alma possa ascender novamente ao empíreo, precisa manifestar as qualidades representadas por cada uma das esferas celestiais.
A ascensão, assim sendo, é trabalhosa. A morte, por sua vez, é um perrengue. Renascer é difícil e renascer próximo aos deuses é ainda mais difícil e raro. Não é todo dia que um buda se ilumina. Seria ótimo que fosse um direito garantido por lei cósmica5, mas cá estamos nós aqui no mundo sublunar metidos com fascismo, tigrinho e aquecimento global, e toda uma série de sofrimentos inéditos.
O mundo, esse espelho da potencia divina, podia ser muito mais legal. Mas, o que está fora é como o que está dentro e nessa brincadeira de externalizar esse inferno que a gente carrega na nossa cabeça, tunamos a terraformação do planeta para ele virar um moedor de gente movido a petróleo, paixões e desejos. Um moedor que que arrasta as almas das pessoas ainda em vida pros reinos de sofrimento.
A última vez que eu entrei naquele escombro de inferno decadente que é o Twitter foi no dia trinta e um de agosto. Minhas últimas postagens datam deste dia. Depois veio o bloqueio e o resto é história.
Foi bem pouco tempo se a gente parar pra pensar. Pouco mais de um mês.
Nesse meio tempo senti o gostinho de uma rede sem algoritmos, nem propaganda de jogos de aposta nem bots de conteúdo adulto duvidoso.6 Não acho o Bluesky perfeito, mas por hora é o mais próximo que temos do que uma rede social social saudável deveria ser - uma plataforma/ferramenta para que pessoas possam interagir em segurança, sem a tutela de algoritmos que a gente não faz ideia de como funcionam.
Acho até o nome levemente auspicioso. E gosto do ícone da borboleta, eterno símbolo da morte e renascimento7
É bizarro pensar que, a uns três meses mais ou menos, a minha maior preocupação fosse o estado da minha saúde mental por conta de rede social, a ponto de precisar um limite de tempo (obrigado Saturno) no meu uso de redes sociais.8
Inclusive eu diria que está sendo um uso bastante produtivo. Em geral, tenho interações bem boas e consigo me informar melhor do que naquele amontoado de ruído patrocinado.
O que está dentro é como o que está fora, e o inferno é em boa parte uma questão de perspectiva. A mudança interna é análoga à mudança externa que é análoga à mudança interna e lá vamos nós de novo na lógica circular.
Vou aproveitar minha temporada nesse pequeno reino perfeitinho por hora, até os ventos kármicos soprarem novamente.
As constelações do zodíaco também tem relação com o mito de Hércules. Sua história não cabe num único conjunto de estrelas.
Poderia em algum momento da história ter existido um Hércules histórico ou um Perseu histórico? Não há qualquer evidência de uma figura histórica que tenha inspirado esses mitos, da forma como existe um Jesus histórico relacionado aos textos do Novo Testamento. Mas, nada impede de se escrever uma série de ficção sobre essas figuras possíveis (porém muitíssimo improváveis.
Aquiles é eternizado de outra forma. Não tem uma constelação para chamar de sua, mas o mito vive, talvez pela sua dimensão trágica: ele morre porque deseja vingar a morte de seu companheiro Pátroclo, sabendo que isso custaria sua vida, mesmo sendo invencível.
Kronos aqui se confunde com Saturno, astro frio e seco na astrologia e que tem uma relação com essa materialidade mais concreta.
Talvez quase seja, mas a gente tá ocupado demais com nossos desejos e infernos pessoais.
Leia-se: scam, phishing e roubo de dados.
Offtopic: eu tenho uma fobia esquisita de mariposas e borboletas.
Não uso mais o timer desde que voltei de férias, porque não acho que faça sentido por hora. Inclusive porque estou usando menos: o meu uso total de Bluesky até o momento hoje foi de uma hora e vinte e cinco minutos, e o total de tela foi de três horas horas. Não ter um algoritmo que tente te viciar ajuda. E não ter a timeline constantemente poluída com ruído também.