Tipo Aquilo #9 – A balbúrdia
Essa edição é um pequeno desabafo sobre os acontecimentos relativos ao corte de verbas do ensino público superior, em que tentarei ser tão empático quanto possível. Em todo caso, já tenho outro texto mais comportado e didático para amanhã, só não desiste de mim. ;)
Das bandeiras que vem sendo erguidas há alguns anos no Brasil, a que mais me incomoda é a do anti-intelectualismo. A história mostra essa onda vindo de tempos em tempos; só no século passado, tivemos a queima de livros na Königsplatz, a perseguição macartista na Guerra Fria, a destruição promovida pelo Khmer Vermelho. Ondas que vem e vão, mas não deixam de ser assustadoras.
Quando a gente coloca o design na roda, é fácil fazer um paralelo com a história da Bauhaus, por exemplo. Ok, uma via fascista no Brasil ainda tem muitas páginas de democracia a rasgar até poder fechar uma instituição inteira (não acho impossível, mas…), como em 1933, por ser “foco de intelectualismo comunista”. Foi o caso da escola alemã e outras escolas superiores nos países do eixo, sendo “retomada” apenas 20 anos depois, “em espírito”, pela Escola de Ulm.
Apesar de seu fechamento precoce, 15 anos depois, Ulm e outras escolas superiores surgidas no pós-guerra ajudaram a Europa continental a reerguer-se dos escombros e formar uma nova geração pensadora. Elas foram possíveis, em maioria, graças a subsídios e investimentos de seus governos, vendo na educação a oportunidade de crescimento, projeção mundial e reparação de empréstimos do Plano Marshall.
Essas mesmas universidades e instituições, por serem compostas de pessoas que viram os horrores de uma guerra e o fanatismo de regimes totalitários, assumiram um compromisso com valores de democracia e tolerância. A própria Escola de Ulm é um exemplo disso, por ter valorizado no currículo o papel sócio-político do designer, que muitas vezes a gente esquece pelos ossos da profissão (clientes, minúcias de projetos, ferramentas etc) e pelo quanto que ainda se discute se “responsabilidade social” num mundo capitalista existe de fato.
Minha angústia com o anti-intelectualismo é ele interpretar a necessidade de discussões mais diversas e profundas sobre a sociedade como ~balbúrdia~, sem dar qualquer explicação que preste. A lógica perversa de uma guerra cultural faz crer que Ulm e Bauhaus seriam controversas no Brasil. É preciso descolar-se muito da realidade para assumir qualquer subsídio ou investimento público em educação como “comunismo”. No caso brasileiro recente, a sequência dos fatos após os cortes anunciados por Weintraub foi tão desastrada que o papo de “contingenciamento” não cola. É rapidamente desmascarada como uma extorsão para aprovar reformas impopulares.
Estamos em 2019. Outras discussões pertinentes ao mundo acadêmico deveriam ser pauta. Os espaços midiáticos deviam falar sobre como trazer alunos melhor preparados do ensino básico, sobre como não adoecer mentalmente os pós-graduandos, sobre a controversa questão da quantidade de citações a pesquisadores nacionais, entre outros assuntos realmente importantes. Até mensalidade em universidades públicas é um assunto mais importante e demanda mais maturidade do que demonstra o séquito de um guru que só nutre desprezo contra a academia.
Penso que quem lê o Tipo Aquilo pode ajudar a conter essa onda ruim de várias formas: colocar argumentos que realmente condizem com a nossa realidade; estar ciente de que o MEC não quer que você se envolva em manifestações — ;) —; e propor, com as pessoas e os grupos de WhatsApp mais próximos, discussões mais maduras do que chocolates numa mesa e dancinhas de guarda-chuva.
Recomendações:
- 🎧 Podcast: Fora de Prumo #6B, em que se debate a defesa do conhecimento e da universidade, a favor da democracia e direitos sociais.
- 🎥 Vídeo: BBC Brasil – Cortes em universidades: o que já é verdade e o que ainda é ameaça.
- 🔗 Link: @designativista, um movimento colaborativo de designers engajados no momento atual do país.
- 🇧🇷 Fonte brazuca: Represent, de Tony de Marco.
Escrito em 97031.79