Tipo Aquilo #8 – Mais de oito mil (caracteres)!
Assim como outras disciplinas do design, a tipografia tende a ser ensinada nas matérias básicas com uma visão eurocêntrica (ou pragmática, por outro ponto de vista). É uma deficiência do ensino, que passa a abordar tipos não-latinos muito tarde, mas quando digo isso, nem parece que apenas o alfabeto latino já dá bastante trabalho. ;)
O sistema de impressão criado por Gutenberg no séc. XV replica essencialmente o sistema de tipos móveis de cerâmica criados por Bì Shēng na China entre 1041 e 1048, em que as letras esculpidas em blocos eram montadas, entintadas e pressionadas contra um papel. Aliás, quando falamos de papel de celulose, falamos de outra invenção chinesa, de 105 AD.
No entanto, o oriente não-colonizado não viveu a massificação das oficinas de tipos móveis como a Europa dos séc. XVI e XVII. Em parte, o alfabeto latino é responsável por isso: enquanto nosso alfabeto dispunha de 26 letras básicas, o hanzi (escrita chinesa, da qual derivam também as escritas japonesa e coreana) tinha milhares de caracteres. O chinês simplificado, pós-revolução cultural, contém mais de 8 mil caracteres.
(uma pausa para o Oriente Médio: lá, a tipografia demorou a florescer pela interpretação islâmica de que a escrita e os textos sagrados não deviam ser reproduzidas por meios mecânicos)
Voltando aos tempos atuais, a riqueza de caracteres individuais das escritas CJK (de Chinese/Japanese/Korean) ainda é um desafio para os formatos de fontes para Internet, as webfonts. Os arquivos de fontes com todos esses caracteres, somados, podem chegar a 16MB, o que é impraticável até para uma conexão doméstica. Em média, o tamanho de todos os arquivos necessários para um portal comum é de 2MB, enquanto o tamanho recomendado é de apenas 0,5MB.
Quando você assiste a um vídeo no YouTube ou ouve uma música pelo Spotify, você não recebe toda a mídia de uma vez: ela é carregada aos poucos, de acordo com o que você acompanha. Imagine algo assim aplicado a fontes, em que você baixa apenas os caracteres que um site precisa. Esse “streaming de fontes” é o Progressive Font Enrichment, um conceito em desenvolvimento que pode resolver o desafio das fontes CJK e reduzir o tempo de carregamento de milhares de websites em todo o mundo. A ideia é que o navegador pegue apenas os grupos de caracteres que precisa, ao invés de uma fonte inteira; caso o usuário precise ver outra página com caracteres em falta, o navegador baixa apenas o grupo restante em um pacote separado.
Essa abordagem ainda está sendo construída por diversas pessoas, para que todos possam colaborar e compartilhar das vantagens que isso representará. Há uma demonstração ao vivo criada pelo Google Fonts que mostra uma estimativa da economia em tráfego de dados que ela será capaz de oferecer em alguns anos. (=
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Antes das recomendações, um breve adendo. Vocês devem estar cientes de toda polêmica relativa ao corte de verbas do ensino público superior. Na próxima quinzena, quero escrever duas edições: uma normal, e outra sobre todo esse problema e o que ele pode trazer para o ensino de design e tipografia. Ainda estou lendo a respeito, buscando artigos e opiniões para poder escrever com embasamento e empatia que esse assunto merece, assim como vocês.
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Recomendações:
- 🎧 Podcast: Brandcast #TOQVSQSSMMTVDP 4, em que Guilherme Sebastiany e Akira Goto respondem dúvidas sobre licenciamento de fontes para projetos de identidade visual.
- 🎥 Vídeo: The History of Typography – Animated Short, uma animação em stop motion que conta a história da tipografia ocidental.
- 🔗 Link: A Forma e Contraforma dos Caracteres. Para quem mora em São Paulo, no dia 11/5, será ministrada no MCB uma oficina que busca mostrar diversos aspectos da criação e composição tipográfica.
- 🇧🇷 Fonte brazuca: Capellina, de Ricardo Esteves.
Escrito em 96942.7