Vez ou outra, aparecem algumas notícias a respeito de “um designer que criou uma fonte revolucionária para [x]”. Esse X já foi sobre fontes que economizam tinta em impressoras (spoiler: não economizam), fontes que melhoram a memorização (spoiler: não há comprovação) e fontes que supostamente melhoram a leitura para disléxicos.
Eu já escrevi sobre esse assunto e outros que ficam guardados como chavões no ensino da tipografia, mas não há consenso no meio científico se essas fontes realmente ajudam disléxicos a ler melhor. Há críticas também à abordagem comum de desenho de letras para disléxicos (distorcer uma região da letra para que não seja confundida com outras), que ataca apenas um sintoma, e não o distúrbio em si.
Inclusive, há associações que, ao invés de recomendar essas fontes, recomendam uma abordagem mais inclusiva, propondo o uso de fontes comuns com entrelinhas, espaçamentos e corpo de texto generosos. Sabemos que a tipografia sozinha não faz milagres, mas recomendações como essas são ideais também para pessoas com outras deficiências, além de não-PCD’s. Quando falamos de acessibilidade no design gráfico, disléxicos fazem parte de um grupo bem maior de interessados. Falamos também de míopes, hipermétropes e pessoas com astigmatismo, daltônicos, além de pessoas com outros distúrbios de leitura e aprendizagem, e pessoas com diferentes graus de alfabetização. Isso quando nos restringimos apenas às deficiências parciais de percepção visual.
Claro que algumas fontes tendem a funcionar melhor. A FontSmith elencou alguns critérios de acessibilidade em fontes, como: diferenciações evidentes de I, l, i e 1; maiúsculas ligeiramente menores que a altura das ascendentes; altura-de-x mais alta, entre outras recomendações. Não entro no duelo de serifadas vs. não-serifadas porque não existe consenso sobre o quanto a serifa melhora a leitura.
Inclusive, a própria leitura é um ato que merece um pouco de desmistificação, pra fechar a edição de hoje. Ao invés de linear, ela flui com vários pulos (chamados sacádicos) entre palavras mais importantes. Conjunções, preposições e outras palavras mais comuns naturalmente perdem relevância durante a leitura. Serifas são menos importantes para uma leitura assim, que rastreia palavras inteiras ao invés de sequências de letras, do que ajustes de espaçamentos entreletras e entrelinhas que proporcionem uma boa leitura para todos.
Recomendações:
- 🎧 Podcast: Dragões de Garagem #64, que debate sobre deficiência e a vida das pessoas com deficiências de diversos tipos.
- 🎥 Vídeo: Boring Fonts, uma leitura crítica da Profª Indra Kupferschmidt sobre a produção de famílias tipográficas e as evoluções tecnológicas que aprimoraram a consistência visual entre fontes similares.
- 🔗 Link: Color.Method, um jogo que testa a habilidade de combinar e parear cores.
- 🇧🇷 Fonte brazuca: Olar, da Déia Kulpas.
Escrito em 96909.13