Tipo Aquilo #22 – Como falar de tipografia na ceia de natal
Calma, eu juro que isso aqui é um texto sério. Eu apenas estou de ressaca do DiaTipo, ainda. ;)
Em 2014 já diziam que a ceia de natal já estaria complicada por ter que fingir estar feliz perto de parentes proto-fascistinhas e outros tipos indesejáveis. A má notícia é que isso apenas piorou, ganhou outros personagens horríveis, e capaz que você comeria todo estoque de uva-passas se isso fosse condição para estar apenas com os que ainda não são seres humanos horríveis.
A boa notícia é que, dentre as amenidades que você precisará conversar com eles, talvez tipografia possa servir. É fato que esse assunto sempre foi meio alheio à cultura, mas no fundo, elas se importam o suficiente com tipografia. Tanto que o uso da Comic Sans é uma evidência disso e eu posso provar, mas fica pro ano que vem. Enquanto isso, há alguns meios leves de tocar nesse desse assunto sem que seus parentes te vejam como Pernalonga de Batom (a não ser que sejam insuportáveis, aí tá liberado ser esnobe com eles).

Memes são uma boa porta de entrada para essa conversa. Quando estiver todo mundo meio meh, você saca seu celular no sub-reddit Don’t Dead Open Inside, que compila dezenas de placas e peças de comunicação com as piores decisões de diagramação. Outro sub-reddit muito bom é o Keming, para erros constrangedores de espaçamento entre letras que tem tanta coisa que eles podem dar scroll até 2020. Se tiver aquela imagem do gato na mesa de jantar, melhor ainda.
Inclusive, casos de mau uso são bons pra começar uma pequena conscientização do próprio design. Talvez eles reconheçam algumas, como o SASA LELE ou o DRIOIET, ou se lembrem das lambanças na entrega do Oscar pro La-La Land e no concurso de Miss Universo de 2015. Se você quiser tentar um bom caso, tem o da abertura do Stranger Things que, com sorte, algum primo pode dizer “sim, eu tinha livro com capa assim, era legal”. Estamos aqui para ser otimistas.

Durante o jantar, provavelmente não rola distrair os outros com celular. Caso sua ceia reúna pessoas mais velhas, às vezes você dá sorte de que algum deles tenha trabalhado como dono de gráfica, cartazista ou operador de linotipo, quem sabe. Aí, você tenta puxar assunto, diz que você anda recebendo e-mails de um cara que diz que fez uma fonte baseada em tipos de metal, e quem sabe ele começa a lembrar dos tempos de glória das máquinas barulhentas de gráfica ou de alguma marca de queimadura de chumbo.
Se não tiver alguém tão velho, ou os idosos à mesa nunca tiverem pisado uma gráfica, aí complica, mas tem um último recurso. Joga um papinho de um amigo seu que pegou um ônibus errado e acordou em São Bento do Sapucaí porque estava sem óculos. Há grande chance do primeiro deficiente visual à mesa lembrar de um causo parecido (porque toda reunião de parente tem campeonato de desgraça), e você tenta encaixar o assunto de legibilidade, e que tem fontes que podem ajudar e você está estudando elas. 1000 pontos se você conseguir falar da fonte das novas placas de carros que dificulta o contrabando sem que ninguém reclame de “máfia do Detran” e “indústria da multa”.
O importante nisso tudo é você sempre tentar colocar as pessoas na conversa pra que você não seja um palestrinha de letras, mesmo que alguma delas mande aquele papinho de que fonte serifada é mais legível. Apenas sorria, releve e vá pro próximo assunto. Claro que tem coisas que é bom tomar cuidado. Evite falar muito de design gráfico em si pra que nenhum parente te peça favor em troca de visibilidade, ou traga um computador pra você arrumar. Se você manda bem de caligrafia, deixe as penas guardadas, ou aqueles primos chatos vão passar a noite inteira querendo o nome deles escrito até na privada.

Ok, sério agora, eu não espero que vocês tentem quaisquer dessas táticas na ceia de natal (mas se quiser pode). Com sorte, dá pra usar essas coisas ao longo do ano com outras pessoas. Por mais que eu goste de brincar com isso, no fundo do coração, eu fico feliz quando alguém ouve a palavra da tipografia por mais de cinco minutos. Não é ela que vai livrar o país da nossa crise institucional, mas é uma área de conhecimento que precisa sobreviver ao ultra-pragmatismo que se tem exigido do ensino, em que aluno só precisa ler e fazer conta. Da nossa parte, a gente tem que ter propriedade do nosso discurso e a didática necessária para conquistar corações e mentes.
E com essa edição, despeço-me de vocês até fevereiro de 2020. Tem um monte de coisas que eu preciso organizar, diversas histórias interessantes pra desenvolver, e preciso de tempo pra fazer tudo isso direito. No mais, muito obrigado pra você que acompanhou o Tipo Aquilo ao longo do ano, tenha um ótimo descanso de natal, um feliz ano novo, e que venha mais alegria, prosperidade, letras e histórias pra contar.
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Recomendações:
- 🎧 Podcast: Mupoca #104, não relacionado a design mas f***-** é fim de ano mesmo, com Luiz Yassuda, Gabriel Prado e Renato Davini conversando sobre outros problemas de natal em família.
- 🎥 Vídeo: Where the “comic book font” came from (em inglês), pra assistir junto com os priminhos nerds sobre como foram criadas as letras de revistas em quadrinhos.
- 🔗 Link: Tupigrafia #13, a nova edição da única revista brasileira especializada em tipografia, em tiragem limitadíssima.
- 🇧🇷 Fonte brazuca: Grotesca Reforma Variável, deste que vos escreve. ;)
Escrito em 97566.82.