Eu lembro de quando a Glória Kalil deu seu célebre pitaco sobre marcas famosas da indústria da moda mudando seus logotipos para letras sem, vocês sabem, "aquele rabinho elegante". Seu comentário era baseado naquele texto do Pedro Diniz na Folha, que discutia com certo embasamento os novos logotipos sans-serif grotescos de Burberry, YvesSaintLaurent e outras marcas que, se eu mencionar o nome, é capaz de eu declarar falência.
Exemplos de mudanças de marcas
É interessante que isso tenha acontecido depois que várias empresas de tecnologia mudaram suas marcas para sans-serifs geométricas, alegando que isso daria uma imagem mais "amigável" e "humana" (risos). De repente, todo mundo era mais amigável, todo mundo era mais humano, e seus dados pessoais continuavam caindo nas mãos dos políticos que você mais odeia porque é exatamente isso que marcas amigáveis e humanas fazem. Ok, existem exceções como o Medium, o Evernote, e se a gente forçar a barra, talvez o BuzzFeed entre na listinha de techies que ainda dão abrigo às serifas.
Se a gente olhar para a história da tipografia, percebemos um período de mais de 350 anos em que fontes sans-serif não existiam. Elas surgiram no início dos anos 1800 como variações sem serifa de fontes egípcias, voltadas para pôsteres e letreiros, e apenas mais pro fim do séc. XIX ganharam desenhos próprios, que refletiam as mudanças causadas pela industrialização nos espaços urbanos. Especialmente na Alemanha, tornaram-se populares, e de lá surgiram fontes populares como a Akzidenz Grotesk.
Specimen de fonte sem serifa de Figgins, 1834
Mas Cadu você começou o texto falando de serifas!
Então ok, vamos falar de como andam as fontes serifadas nos maiores repositórios. No MyFonts, a lista de best-sellers tem uma fonte serifada, a Recoleta, apenas na 13ª posição; no Fonts.com, figura a Minion na 46ª posição. No Google Fonts, a Slabo é a melhor colocada, na 5ª posição. No BrandNew, a maioria das fontes novas têm logotipos sem serifa, e no ranking da Interbrand de marcas globais mais valiosas, o logotipo serifado da IBM aparece na 12ª posição. Ao que parece, no afã de buscarem se diferenciar, marcas, publicações, e aplicativos acabam correndo para um lugar-comum.
Parece um destino infeliz para a serifa, mas quando a gente fala disso, nem parece que há várias fontes surgindo e reinventando o gênero. Há vários exemplos bem legais no Future Fonts logo nas primeiras posições, e especialmente aqui pela nossa quebrada sul-americana, várias foundries têm lançado fontes mais autênticas e menos reverentes ao legado tipográfico europeu.
Exemplo de uso da Grenze, de Renata Polastri
No fim das contas, eu até faço coro ao apelo da Glória por mais fontes serifadas nas marcas, e também em aplicativos, interfaces digitais e outros lugares além das paginas de livros onde as serifadas ainda reinam absolutas. Não que eu realmente me importe com marcas de luxo, mas me importa que a gente conviva com poucos exemplos de fontes serifadas entre marcas populares. Elas podem ser um pouco mais difíceis de trabalhar, mas não é difícil ter um resultado com cara tão moderna quanto qualquer fonte sans geométrica.
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Recomendações:
🎧 Podcast:Visual+Mente #8, com Rafael Ancara, Ricardo Cunha Lima, Fabrícia Ribeiro e Luis Amorim conversando sobre os caminhos tipográficos para usar e produzir fontes.
🎥 Vídeo:A Coluna de Trajano (em inglês), um trecho do curso aberto da Prof. Diane Kleiner sobre a arquitetura romana durante o governo de Trajano.
🔗 Link:Typography for Lawyers, um site/livro eletrônico de referência para o bom uso de tipografia para profissionais do direito.