Tipo Aquilo #18 – Tem que acabar o corneteiro de marca!
Uma anedota interessante do futebol brasileiro é a da criação do termo "corneteiro". A versão mais aceita é a de que os conselheiros do antigo Palestra Itália (o atual Palmeiras) costumavam gritar e esbravejar durante suas reuniões num bar que ficava ao lado da fábrica da Corneta Ferramentas. Doravante, foram apelidados de "turma da corneta" e, enfim, "corneteiros".
Hoje, é consenso que a maioria das pessoas consome informação muito mais para endossar narrativas do que para se informarem de fato. Nos sites e blogs voltados para design e publicidade, isso parece diferente, mas quando trata-se de uma marca nova, o assunto muda de figura e cresce em todos nós um pequeno corneteiro. Não me furto disso porque perco razão, mas não perco um bom meme. #dsclp :D

(daqui pra frente, como a conversa não é sobre branding, assumam que estou tomando "marca" como identidade visual, e não como o conjunto de concepções que temos acerca de um produto ou organização)
Só que é estranho pensar que marcas causam tanta discussão quanto nenhum outro segmento do design jamais causará. A gente até espezinha com os produtos insossos da Apple, acha ruim quando o Twitter anuncia interface nova, mas marcas em geral têm mais presença no nosso cotidiano, e marcas novas têm mais visibilidade e que outros produtos de design. Por isso, movem moinhos de comentários, memes e votos em enquetes. Às vezes, as avalanches de críticas e repercussão negativa surtem efeito (oi Gap tudo bem?), mas comumente, marcas mudam, todo mundo fala mal e o universo segue seu curso rumo à entropia máxima.
Criticar o projeto gráfico de um livro, por exemplo, demanda tê-lo em mãos; criticar uma fonte demanda instalar e gerar páginas de teste; uma interface exige, pelo menos, algum tempo de uso. No mundo ideal, analisar uma marca demanda, no mínimo, conhecer a organização, sua história, identidades visuais pregressas, a proposta nova, press releases e suas futuras aplicações. É algo que blogs como o Brand New e o The Dieline, ou a seção de marcas do AdWeek fazem muito bem, mas que fora da mídia especializada, as ~análises~ resumem-se a julgar uma imagem por gosto e por algumas regras, às vezes, falaciosas.
Por exemplo, apela-se a regras de que marca não pode ter dégradé (na verdade, pode sim), marca tem que ter grid (não precisa) ou ser perfeitamente geométrica (precisa menos ainda), logotipo tem que ser legível (também não necessariamente precisa), marca só pode ter uma assinatura e poucas cores, etc. Essas regras existiram por limitações nos processos gráficos de quando foram criadas, mas hoje não fazem tanto sentido. O próprio entendimento de marca evolui de tempos em tempos, junto com a sociedade, a tecnologia, os meios de reprodução gráfica e os pontos de contato existentes.

Esse tipo de análise sem cuidado mistura-se com uma tendência do cérebro de estranhar coisas novas, que fogem da programação natural. O órgão dispende mais recursos para reprogramar-se a uma mudança externa, enquanto sua tendência é a de querer manter tudo funcionando sob padrões. Isso se aplica a tudo, de marcas ao modo de escovar os dentes e calçar tênis, e é preciso uma experiência anterior muito ruim para que uma mudança seja bem-vinda. Isso ajuda a explicar porque, quase sempre, mudanças de marca são cornetadas julgadas na Internet mais com o fígado do que com a cabeça.
É óbvio que existem casos que fígado e cabeça concordam. As marcas desenvolvidas pelo governo brasileiro nesse ano, por exemplo, não me deixam mentir, e tento não julga-las visualmente porque, conceitualmente, já são falhas. Vamos fingir que, além de trazer argumentos melhores, eu me dei ao trabalho de explicar que marcas que existem só para negar suas anteriores são conceitualmente fracas, e ir para o final do texto com um convite para um exercício.

Separe alguns dos trabalhos recentes de identidade visual que você gostou e outros que não. Leia sobre os projetos, busque mais aplicações das marcas e tente racionalizar suas críticas positivas e negativas. no fim, isso dirá mais sobre o seu próprio trabalho e pensamento sobre o design, do que as marcas em si. Um pouco de auto-conhecimento nunca faz mal. ;) —
Recomendações:
- 🎧 Podcast: Naruhodo #140, com Ken Fujioka e Altay de Souza conversando sobre por quê há tanto ódio nas redes sociais.
- 🎥 Vídeo: What makes a truly great logo, um video do Vox com Michael Bierut comentando sobre tipos diferentes de marcas e o que faz delas grandes marcas.
- 🔗 Link: The most controversial logos ever?, artigo da BBC sobre polêmicas recentes de identidades visuais.
- 🇧🇷 Fonte brazuca: Tenez, de Rodrigo Saiani.
Escrito em 97423.45