Gary Hustwit lançou em 2007 um dos melhores documentários independentes sobre design gráfico e tipografia até hoje. “Helvetica” explora o sucesso e quase onipresença da família tipográfica homônima entre depoimentos de grandes nomes do design gráfico. Mesmo com algumas omissões, o documentário é muito bom em contextualizar a história da Helvetica para o espectador, e é uma referência obrigatória pra quem trabalha na área. Falo com tranquilidade. ;)
Poucas coisas tornam o documentário datado; por exemplo, Jonathan Hoefler e Tobias Frere-Jones vistos juntos em qualquer lugar. Massimo Vigneli e Hermann Zapf, que participam do documentário, não estão mais entre nós; também, alguns logotipos compostos em Helvetica, como American Airlines, LG e Staples. O ranço do Spiekermann, fiquem tranquilos, que esse perdura até hoje.
Se o documentário esperasse apenas mais um ano, teria a oportunidade de mostrar a Helvetica compondo a interface do primeiro iPhone. Entre tipógrafos e designers de interfaces digitais, o consenso é de que a escolha da Helvetica para isso foi um tiro no pé em legibilidade. Não pior do que quando o macOS adotou a Helvetica como fonte padrão no Yosemite e… bem… quase ninguém gostou.
Muitas pessoas associam a Helvetica ao sentimento de frieza e apatia. A intensidade que as corporações abraçaram a Helvetica nos anos 70 e 80 fortalecem isso. No entanto, para o iOS, a Helvetica foi uma boa escolha porque, junto com o skeumorfismo, serviu como ponte para o usuário entre algo humano e familiar, e uma classe nova de produto no mercado. A tipografia no iPhone tinha a missão de tirar as letras pixeladas, com “cara de computador”, dos Palm’s e celulares da mente das pessoas, e apresenta-las a algo com potencial de ser muito melhor. A mesma situação aconteceu com o iPad. Só anos depois dos segmentos de smartphones e tablets estarem estabelecidos, a Apple finalmente pôde aposenta-la.
O documentário de Hustwit ajuda a manter a Helvetica viva num mundo que tem abraçado o estilo geométrico sem serifa e sem graça. Ocasionalmente fala-se sobre a Helvetica em lugares que ninguém espera; e várias fontes surgem derivadas da Helvetica, como a Neue Haas Grotesk (Commercial Type), a Aktiv Grotesk (Dalton Maag), e sua evolução Helvetica Now (Monotype). Quando falamos da fonte, falamos de um ícone do design; é difícil atualmente criar e manter uma identidade visual com Helvetica porque ela evoca tantos significados que torna-se uma marca poderosa por si mesma.
Já a filmografia do Gary não parou em 2007; dois anos depois, ele lançou “Objectified” e, em 2011, “Urbanized”. “Rams”, lançado no ano passado, celebra a obra do designer alemão Dieter Rams, grande influência para o design gráfico e de produto até hoje. Se o modo com que coloca em discussão o impacto do design e arquitetura na sociedade moderna não fosse motivo suficiente para assistir todos, Hustwit destaca-se pelo empenho em contar grandes histórias enquanto amarra depoimentos e fotografia com linhas invisíveis e quase imperceptíveis. É como se, nos últimos anos, ele escrevesse a história da sociedade contemporânea em… Helvetica.
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Escrito em 97043.5