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Dezembro 20, 2025

Newsletter BaixaCultura #77: Tocaia de fim de ano: colapsos & futuros em disputa

Buenas,

Nesta 77º edição do nosso boletim, não conseguimos escapar muito da febre dessa época: as retrospectivas. 2025 foi um raro ano que, aos trancos e barrancos, fizemos 12 edições desse boletim. E pela primeira vez, organizamos uma pequena retrospectiva de cada uma, com os links para as versões originais. Também destacamos o lançamento da Tocaia, uma revista & coletivo editorial que nasce com o intuito de provocar, discutir, pesquisar, circular ideias, seguindo o jogo que Aimé Césaire propõe: “É preciso começar. Começar o quê? A única coisa no mundo que vale a pena começar: o Fim do mundo, ora essa”. Feliz fim do mundo, happy new ear!

Leonardo Foletto
São Paulo, 20/12/2025

ESTUDO, ESPREITA, EXPERIMENTAÇÃO: TOCAIA

2025 só acaba quando termina: 19 de dezembro, 18h, na Ocupação 9 de julho (São Paulo), nasceu uma revista e um coletivo.

“Tocaia nasce como erva-daninha entre cultivos acidentais e gestos mais ou menos intencionais, perseguindo todo rastro de presença desobediente nos interstícios das grandes árvores soberanas: ali por onde rastejam as pequenas criaturas, os movimentos imprevisíveis, as associações impróprias, as pequenas antenas que antecipam grandes precipitações. É toca: arranjo sociotécnico estratégico de uma forma de habitar cuja fronteira entre interior e exterior opera como uma interface sensível – o dentro e o fora em constante relação transformativa. É também um estado de presença que espreita o inimigo ao mesmo tempo em que estuda a melhor forma de ataque diante daquilo que cada situação exige.

Neste primeiro número, convocamos uma conversa aberta sobre o pensamento radical e os horizontes de transformação diante da aceleração da catástrofe planetária e tecnológica-informacional, produzida pelo ambiente digital-cibernético em que estamos imersos. Trinta anos após a explosão da internet comercial, nossos sonhos de liberação foram capturados por novas formas de extração, vigilância e controle. A possibilidade da comunicação distribuída não é mais um problema; o que parece como pesadelo é a comunicação permanente, o ritmo que nos faz pulsar a batida do Capital de modo incessante, nos tornando disponíveis para ela. A máquina está em nós.

Se o capitalismo não teme a crítica, o que ainda pode sabotar seu funcionamento material, libidinal, maquínico? Não seria, então, possível pensar que nossa urgência não está em um programa ou em um novo desenho de organização, mas, antes, em uma forma de sentir – uma prática de atenção ou infraestruturas de liberação do nosso tempo para fazer emergir experiências de prazer e cumplicidade para uma vida não fascista? Um materialismo profundo cuja prática é a de concatenar as forças desobedientes que animam o mundo contra os modos de subordinação e os velhos/novos hinos do poder ou da produção? Prompts indomáveis. Uma recusa às formas de inteligência reduzidas ao imperativo da eficiência. A afirmação de uma inteligência terrestre voltada ao problema de fazer perseverar à vida em toda sua interdependência, imprevisibilidade e abertura.

A revista é uma realização do GT Laboratório Experimentações Tecnopolíticas, da Coalizão Direitos na Rede, em parceria com a editora SobInfluencia, Lavits, Intervozes e divers@s outr@s seres. Será distribuída e vendida (R$25) no site da Sob e em algumas livrarias e espaços parceiros. Terá pelo menos mais uma edição em 2026 (e 2027) e um podcast, além do site com os textos na íntegra e outros exclusivos.

2025 EM BAIXACULTURA

Grandes & pequenos momentos ilustrados das 12 newsletters do ano, escolhidos de maneira um tanto aleatória. Todas as nossas 77 newsletters até aqui, desde 2018, estão aqui, bem como o link para assinar.

Informática do Oprimido como âncora do futuro — Julho trouxe o lançamento de "Informática do Oprimido", de Rodrigo Ochigame, nosso segundo livro da coleção em parceria com a Funilaria. Inspirada em Paulo Freire e nas lutas por soberania digital, a expressão, além de intitular o livro, virou guia para entender como comunidades marginalizadas podem disputar código, infraestrutura e narrativas tecnológicas. O texto de Rodrigo - e as suas falas de lançamento do livro na Flipei, com o núcleo de Tecnologia do MTST, Campanha Internet Livre, entre outras - dialogou com movimentos de tecnologia social, economia solidária e redes comunitárias, propondo que autonomia digital é fundamental (ainda mais) para hoje.

Descentralização como estratégia de sobrevivência — Fevereiro colocou a descentralização no centro do debate com análises sobre Mastodon, Fediverso e alternativas às big techs. A #67 argumentou que descentralizar não é modismo, mas necessidade diante de guerras culturais e autoritarismos digitais. Governos, empresas e plataformas concentram poder demais; redes federadas distribuem controle e permitem que comunidades definam suas próprias regras. Foi destaque a discussão sobre infraestrutura e governança colaborativa, algo que segue em pauta nesta última news também (veja logo abaixo).

China, open source e a corrida da IA — Ainda em fevereiro, a #66 explorou o "capítulo chinês open source da corrida da IA", desmontando narrativas simplistas sobre tecnologia autoritária versus democrática. O texto mostrou como a China investe massivamente em modelos abertos e colaboração científica enquanto o Vale do Silício fecha código e privatiza conhecimento. A complexidade geopolítica da IA foi tratada sem maniqueísmos: nem fetiche pelo open source chinês, nem demonização acrítica. Foi uma das edições mais compartilhadas do ano.

Tecnopolíticas de Retomada e o cansaço da conexão — Maio propôs "bifurcar do cansaço da conexão" com análises sobre burnout digital, atenção como recurso escasso e alternativas slow tech. A newsletter trouxe táticas de desintoxicação algorítmica sem cair no romantismo do offline: reconectar-se de forma consciente, escolher plataformas que não exaurem, recuperar tempo livre como bem político. Foi destaque a crítica ao produtivismo das redes e a defesa de ritmos mais humanos de comunicação, tema, veja só, cada vez mais presente para além da nossa bolha.

Semiótica do fim e possibilidades do comum descentralizado — Junho mergulhou na "semiótica do fim" para pensar colapsos climáticos, extinção cultural e imaginários distópicos que saturam o presente. A #70 também discutiu como o comum descentralizado - cooperativas digitais, softwares livres, redes comunitárias - oferece rotas de fuga. A IA apareceu como campo de disputa: quem programa, quem treina, quem lucra, quem sofre consequências?

Bibliotecas, revoluções e justiça ambiental — Agosto foi eclético: da defesa de bibliotecas públicas como infraestrutura de conhecimento livre no texto de abertura de “Informática do Oprimido”, de Rodrigo Ochigame, às intersecções entre justiça ambiental e tecnologia. A #72 destacou o ativismo de Anna's Archive e Z-Library contra a privatização do saber, enquanto discutiu como datacenters e mineração de dados agravam crises ecológicas. Foi uma das edições mais densas e interconectadas do ano.

Capitalismo, subjetividades e o exterminador do futuro — Setembro trouxe aquela crítica básica de como o capitalismo algorítmico destrói imaginação política e reduz subjetividades a perfis rentáveis. Trouxe uma breve resenha/comentário ao importante livro de Fabrício Silveira, “O Exterminador do Futuro: mídia, horror e política em Nick Land”, o primeiro livro diretamente dedicado ao excêntrico guru do aceleracionismo (e hoje da alt-right dos EUA), Nick Land. A #73 dialogou com Byung-Chul Han, Shoshana Zuboff e Mark Fisher para pensar cansaço psíquico, extração de afetos e impossibilidade de horizontes pós-capitalistas. Mas também apontou resistências: comunidades que recusam gamificação, artistas que sabotam algoritmos, coletivos que constroem redes fora da lógica do lucro.

Oprimidos em rede contra o colonialismo digital — Novembro retomou o tema da opressão digital com foco em colonialismo de dados, exploração do trabalho de clique e vigilância racializada. A #75 conectou o “Informática do Oprimido” com lutas antirracistas e feministas no debate com Paola Ricaurte, Leonardo Foletto e Rafael Grohmann, mostrando que tecnologia amplifica ou combate desigualdades – e óbvio, não é neutra. Destaque para iniciativas de soberania tecnológica no Sul Global e críticas ao extrativismo das big techs em territórios periféricos em projetos recém-lançados na Latino América, como Tramas e ...

Góticos aceleracionistas e o fim do ano — A #76 fechou novembro (e quase 2025) misturando aceleracionismo, estéticas góticas e colapsos sistêmicos. Aceleracionistas de esquerda, ciberfeministas e pessimistas esperançosos habitaram a mesma newsletter, provando que nunca tivemos medo de contradições produtivas. Foi, talvez, uma síntese do ano: apocalipse lento, tecnologia em disputa, imaginação como arma, humor e sarcasmo como estratégia de sobrevivência.


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ENTREVERO TECNOPOLÍTICO CURTO & RÁPIDO

No Le Monde Diplomatique Brasil, análise de Alessandra Meleiro sobre digitalização e inteligência artificial na economia criativa aponta tensões entre automação, precarização e controle corporativo. O texto discute, com dados, o que parece (e deveria ser) óbvio: como a promessa de democratização tecnológica costuma servir à concentração de poder e exploração do trabalho cultural, exigindo (pelo menos) resistências organizadas e regulação pública.

Fabrício Silveira, pesquisador e professor de comunicação e autor do já comentado “O Exterminador do Futuro” lançou um blog no Medium. Já tem alguns posts por lá, um com a íntegra do texto de Benjamin Noys, “O Cadáver do Aceleracionismo”, que falamos no mês passado; comentário sobre “Política Especulativa. Ensaio sobre as imagens de futuro em disputa no século XXI” (Civilização e Barbárie, 2025), de Moysés Pinto Neto, livro na lista das próximas leituras de férias; e uma tradução de Nick Land, “Modernidade em poucas palavras”, retirada do blog Xenosystems.

André Fernandes, diretor do IP.Rec, falou sobre o lançamento do RSL 1.0 (Really Simple Licensing), protocolo que permite declarar como conteúdos podem ser usados por sistemas de IA. É um avanço técnico, mas longe de resolver a encrenca dos direitos autorais na era algorítmica – que, talvez, não irá ser resolvida nesta área do Direito mesmo.

Um artista holandês reproduziu um filme inteiro dentro do Excel, sem plugins ou players externos, apenas programando cores em células. A obra, exposta em Tallin (Estônia), é um manifesto sobre os limites da tecnologia na vida cotidiana e o absurdo produtivo que nos leva a dobrar ferramentas corporativas para fins inesperados.

O Washington Post reconstruiu o algoritmo do TikTok para mostrar como funciona a máquina de distribuição de conteúdo mais viciante do planeta. A explicação, disponível também em carrossel no Instagram do jornal, desmonta o fetiche da caixa-preta e revela que o segredo está menos na "mágica" e mais na exploração massiva de dados comportamentais e tempo de atenção.

Cory Doctorow explica como a interoperabilidade pode acabar com a "bostificação"(enshittification) das redes: imagine poder seguir amigos do Facebook estando no Mastodon ou BlueSky, sem precisar escolher entre respeito e convivência. É o princípio federado em ação — levar seus dados onde quiser, manter conexões reais e escapar do aprisionamento das plataformas. Liberdade não é luxo, é arquitetura.

Por falar em arquitetura, Thiago Skárnio analisa no Outras Palavras como o Fediverso desafia a monotonia das big techs com redes descentralizadas, abertas e conectadas via código aberto. Infraestrutura e gestão colaborativa são desafios reais, mas a aposta é na autonomia coletiva contra o extrativismo corporativo.

O Spotify comprou a WhoSampled, plataforma que identifica samples em músicas, e o resultado provável é massivo: takedowns automáticos de faixas sem liberação. A integração deixa claro que sample virou commodity rastreável, o que não necessariamente é algo bom (na verdade, não é nada bom, como já disse o Don L tempos atrás). Será que a informalidade criativa está com os dias contados no streaming industrial?

Por falar nisso, se você ainda usa o Spotify, Vivian Caccuri propõe um passo a passo para abandoná-lo, questionando não o já conhecido apoio da empresa sueca ao genocídio na Palestina, mas o modelo de remuneração exploratório e a concentração de poder da plataforma. Migrar para Bandcamp, Tidal ou outras alternativas (inclusive nenhuma) é também recusar a lógica de playlist infinita e retomar o controle sobre como consumimos e valorizamos música.

Mais uma: o Wrapped zine e sua segunda edição satirizam a cultura do Spotify Wrapped transformando dados de escuta em publicação impressa DIY. É, digamos, contracultura aplicada: reapropriar métricas de vigilância como matéria-prima estética, devolver materialidade ao efêmero digital e zombar do fetiche narcisista das plataformas.

Copyleft 2025

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